Os outros aprendiam a
ler para chegarem a Mestres--era com esta intenção que se aprendia a
ler antigamente.
* * * * *
Sonhei com um paíz onde todos chegavam a Mestres. Começava cada
qual por fazer a caneta e o aparo com que se punha á escuta do universo;
em seguida, fabricava desde a materia prima o papel onde ia assentando
as confidencias que recebia directamente do universo; depois, descia
até ao fundo dos rochedos por causa da tinta negra dos chócos; gravava
letra por letra o tipo com que compunha as suas palavras; e arrancava
da arvore a prensa onde apertava com segurança as descobertas para
irem ter com os outros. Era assim que neste país todos chegavam a
Mestres. Era assim que os Mestres iam escrevendo as frases que hão-de
salvar a humanidade.
* * * * *
Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam
todas escritas, só faltava uma coisa--salvar a humanidade.
--O pequeno é como o grande. --O que está em cima é analogo ao que
está em baixo. --O interior é como o exterior das coisas. --Tudo está em
tudo.
HERMES TRIMEGISTA
+I PARTE+
+ANDAIMES E VÉSPERAS+
+A CONFERENCIA IMPROVISADA+
Minhas Senhoras e meus Senhores:
Mulheres e homens são as duas metades da humanidade--a metade
masculina e a metade feminina.
Ha coisas inteiras feitas de duas metades e aonde não se pode cortar ao
meio para separar essas duas metades. Exemplo: a humanidade com a
metade masculina e a metade feminina. São duas metades que deixam,
cada uma, de ser uma metade se não houver a outra metade.
A linha que passa por entre estas duas metades é parecidissima com o
ar por dentro de uma esponja do mar, sêca.
+ÁCERCA DO HOMEM E DA MULHER+
Lembro-me de uma oleografia que havia em minha casa. A oleografia
estava cheia de amarello do Deserto. O amarello do Deserto era mais
comprido do que a vida de um homem se não fôsse o galope do cavallo
onde o arabe rapta a menina loira.
Na oleografia havia uma palmeira. A palmeira era tão pequena como a
esmeralda do anel da menina loira. A palmeira era assim tão pequena
porque estava muitissimo longe.
Era em direcção à palmeira que ía a correr o cavallo.
Havia outra oleografia quando já tinham chegado à sombra da palmeira.
O cavallo estava como morto por terra. O arabe, êsse, ainda nunca tinha
estado cançado--tinha a menina loira nos braços, como a esmeralda
estava no anel.
Eram trez as oleografias. Na terceira oleografia estava sósinha a menina
loira a dar de mamar a um menino verdadeiro.
+ÁCERCA DAS TRES OLEOGRAFIAS+
Estas trez oleografias explicam muito bem como se pode ser senhora e
como se deve ser homem. As senhoras como a menina loira. Os
homens como o arabe.
Um homem--saber raptar; uma senhora--merecer ser raptada.
Exemplo de homem que soube raptar: o arabe. Exemplo de senhora que
mereceu ser raptada: a menina loira da oleografia.
Ser o arabe para desencantar a menina loira; ser a menina loira para que
haja o arabe.
+ATENÇÃO+
Mas não fallêmos sem alicerces. Nós não estamos algúres.
Nós estamos aqui dentro d'esta sala, onde eu estou a dizer a
conferencia--o chão, o tecto, e quatro paredes. Vocês e eu.
Para nos orientarmos melhor, aqui onde estou fica sendo o Norte, lá no
fundo da sala o Sul, Éste ali e Oéste d'aquelle lado.
Que isto fique assim bem combinado entre nós, de tal maneira que,
quando eu chamar Sul aqui ao logar onde estou, vocês se levantem,
protestem, e digam que não, que o Sul é lá no fundo da sala.
+AS PALAVRAS+
O preço de uma pessôa vê-se na maneira como gosta de usar as
palavras. Lê-se nos olhos das pessôas. As palavras dançam nos olhos
das pessôas conforme o palco dos olhos de cada um.
+VIAGENS DAS PALAVRAS+
As palavras teem moda. Quando acaba a moda para umas começa a
moda para outras. As que se vão embora voltam depois. Voltam sempre,
e mudadas de cada vez. De cada vez mais viajadas.
Depois dizem-nos adeus e ainda voltam depois de nos terem dito adeus.
Emfim--toda essa tournée maravilhosa que nos põe a cabeça em agua
até ao dia em que já sômos nós quem dá corda ás palavras para ellas
estarem a dançar.
+HISTORIA DAS PALAVRAS+
As mulheres e os homens estavam espalhados pela Terra. Uns estavam
maravilhados, outros tinham-se cançado. Os que estavam maravilhados
abriam a bocca, os que se tinham cançado tambem abriam a bocca.
Ambos abriam a bocca.
Houve um homem sósinho que se poz a espreitar esta diferença--havia
pessoas maravilhadas e outras que estavam cançadas.
Depois ainda espreitou melhor: Todas as pessoas estavam maravilhadas,
depois não sabiam aguentar-se maravilhadas e ficavam
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