Ramires!... E tudo na mesma Torre! Na Torre o velho Tructesindo pratica o feito; e setecentos annos depois, na mesma Torre, o nosso Gon?alo conta o feito! Caramba, menino, carambissima! isso �� que �� reatar a tradi??o!
* * * * *
Duas semanas depois, de volta a Santa Ireneia, Gon?alo mandou um creado da quinta, com uma carro?a, a Oliveira, a casa de seu cunhado Jos�� Barr?lo, casado com Gracinha Ramires, para lhe trazer da rica livraria classica que o Barr?lo herd��ra do tio De?o da S�� todos os volumes da Historia Genealogica--?e (accrescentava n'uma carta) todos os cartapacios que por l�� encontrares com o titulo de ?Chronicas do Rei Fulano...? Depois, do p�� das suas estantes, desenterrou as obras de Walter Scott, volumes desirmanados do Panorama, a Historia de Herculano, o Bobo, o Monge de Cist��r. E assim abastecido, com uma farta r��sma de tiras d'alma?o sobre a banca, come?ou a repassar o Poemeto do tio Duarte, inclinado ainda a transp?r para a aspereza d'uma manh? de Dezembro, como mais congenere com a rudeza feudal dos seus av��s, aquella lusida cavalgada de donas, monges e homens d'armas que o tio Duarte estendera, atravez d'uma suave melancolia outomnal, pelas veigas do Mond��go...
Na pallidez da tarde, entre a folhagem Que o outomno amarellece...
Mas, como era ent?o Junho e a lua crescia, Gon?alo determinou por fim aproveitar as sensa??es de calor, luar e arvoredos, que lhe fornecia a aldeia--para levantar, logo �� entrada da sua Novella, o negro e immenso Pa?o de Santa Ireneia, no silencio d'uma noite d'Agosto, sob o resplendor da lua cheia.
E j�� enchera desembara?adamente, ajudado pelo *Bardo*, duas tiras, quando uma desaven?a com o seu caseiro, o Manoel Relho, que amanhava a quinta por oitocentos mil reis de renda, veio perturbar, na fresca e novi?a inspira??o do seu trabalho, o Fidalgo da Torre. Desde o Natal o Relho, que durante annos de compostura e ordem se emborrachava sempre aos domingos com alegria e com pachorra, come?��ra a tomar, tres e quatro vezes por semana, bebedeiras desabridas, escandalosas, em que espancava a mulher, atroava a quinta de berros, e saltava para a estrada, esguedelhado, de varap��u, desafiando a quieta aldeia. Por fim, uma noite em que Gon?alo, �� banca, depois do ch��, laboriosamente escavava os fossos do Pa?o de Santa Ireneia--de repente a Rosa cozinheira rompeu a gritar ?Aqui d'El-rei contra o Relho!? E, atravez dos seus brados e dos latidos dos c?es, uma pedra, depois outra, bateram na varanda veneravel da livraria! Enfiado, Gon?alo Mendes Ramires pensou no rev��lver... Mas justamente n'essa tarde o creado, o Bento, desc��ra aquella sua velha e unica arma �� cozinha para a desenferrujar e arear! Ent?o, atarantado, correu ao quarto, que fechou �� chave, empurrando contra a porta a commoda com t?o desesperada anciedade que frascos de crystal, um cofre de tartaruga, at�� um crucifixo, tombaram e se partiram. Depois gritos e latidos findaram no pateo--mas Gon?alo n?o se arredou n'essa noite d'aquelle refugio bem defendido, fumando cigarros, ruminando um furor sentimental contra o Relho, a quem tanto perdo��ra, sempre t?o affavelmente trat��ra, e que apedrejava as vidra?as da Torre! C��do, de manh? convocou o Regedor; a Rosa, ainda tremula, mostrou no bra?o as marcas roxas dos dedos do Relho; e o homem, cujo arrendamento findava em Outubro, foi despedido da quinta com a mulher, a arca e o catre. Immediatamente appareceu um lavrador dos Bravaes, o Jos�� Casco, respeitado em toda a freguezia pela sua seriedade e for?a espantosa, propondo ao fidalgo arrendar a Torre. Gon?alo Mendes Ramires por��m, j�� desde a morte do pae, decidira elevar a renda a novecentos e cincoenta mil r��is:--e o Casco desceu as escadas, de cabe?a descahida. Voltou logo ao outro dia, repercorreu miudamente toda a quinta, esfarellou a terra entre os dedos, esquadrinhou o curral e a adega, contou as oliveiras e as c��pas: e n'um esfor?o, em que lhe arfaram todas as costellas, offereceu novecentos e dez mil r��is! Gon?alo n?o cedia, certo da sua equidade. O Jos�� Casco voltou ainda com a mulher; depois, n'um domingo, com a mulher e um compadre,--e era um co?ar lento do queixo rapado, umas voltas desconfiadas em torno da eira e da horta, umas demoras sumidas dentro da tulha, que tornavam aquella manh? de Junho intoleravelmente longa ao Fidalgo, sentado n'um banco de pedra do jardim, debaixo d'uma mimosa, com a *Gazeta do Porto*. Quando o Casco, pallido, lhe veio offerecer novecentos e trinta mil r��is--Gon?alo Mendes Ramires arremessou o jornal, declarou que ia elle, por sua conta, amanhar a propriedade, mostrar o que era um torr?o rico, tratado pelo saber moderno, com phosphatos, com machinas! O homem de Bravaes, ent?o, arrancou um fundo suspiro, acceitou os novecentos e cincoenta mil reis. �� maneira antiga o Fidalgo apertou a m?o ao lavrador--que entrou na cozinha a enxugar
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