academica do seu espirito, o seu nobre gosto pelas investiga??es eruditas, apparecendo no momento em que tentava a carreira do Parlamento e da Politica!... E o trabalho, a composi??o moral dos vetustos Ramires, a resurrei??o archeologica do viver Affonsino, as cem tiras de alma?o a atulhar de prosa forte--n?o o assustavam... N?o! porque felizmente j�� possuia a ?sua obra?--e cortada em bom panno, alinhavada com linha habil. Seu tio Duarte, irm?o de sua m?e (uma senhora de Guimar?es, da casa das Balsas), nos seus annos de ociosidade e imagina??o, de 1845 a 1850, entre a sua carta de Bacharel e o seu Alvar�� de Delegado, f?ra poeta--e public��ra no *Bardo*, semanario de Guimar?es, um Poemeto em verso solto, o Castello de Santa Ireneia, que assign��ra com duas iniciaes D.B. esse castello era o seu, o Pa?o antiquissimo de que restava a negra torre entre os limoeiros da horta. E o Poemeto cantava, com romantico garbo, um lance de altivez feudal em que se sublim��ra Tructesindo Ramires, Alferes-m��r de Sancho I, durante as contendas de Affonso II e das senhoras Infantas. Esse volume do *Bardo*, encadernado em marroquim, com o braz?o dos Ramires, o a?or negro em campo escarlate, fic��ra no Archivo da Casa como um trecho da Chronica heroica dos Ramires. E muitas vezes em pequeno Goncalo recit��ra, ensinados pela mam?, os primeiros versos do Poema, de t?o harmoniosa melancolia:
Na pallidez da tarde, entre a folhagem Que o outomno amarellece...
Era com esse sombrio feito do seu vago avoengo que Gon?alo Mendes Ramires decidira em Coimbra, quando os camaradas da *Patria* e das ceias o acclamavam ?o nosso Walter Scott?, comp?r um Romance moderno, d'um realismo ��pico, em dous robustos volumes, formando um estudo ricamente colorido da Meia-Edade Portugueza... E agora lhe servia, e com deliciosa facilidade, para essa Novella curta e sobria, de trinta paginas, que convinha aos *Annaes*.
No seu quarto do Bragan?a abrio a varanda. E debru?ado, acabando o charuto, na dormente suavidade da noite de Maio, ante a magestade silenciosa do rio e da lua, pensava regaladamente que nem teria a canceira d'esmiu?ar as chronicas e os folios massudos... Com effeito! toda a reconstrucc?o Historica a realis��ra, e solidamente, com um saber destro, o tio Duarte. O Pa?o acastellado de Santa Ireneia, com as fundas carcovas, a torre albarran, a alca?ova, a masmorra, o pharol e o bals?o: o velho Tructesindo, enorme, e os seus flocos de cabellos e barbas ancestraes derramados sobre a loriga de malha; os servos mouriscos, de surr?es de couro, cavando os regueiros da horta; os oblatos resmungando �� lareira as Vidas dos Santos; os pagens jogando no campo do tavolado--tudo resurgia, com veridico realce, no Poemeto do tio Duarte! Ainda recordava mesmo certos lances: o tru?o a?outado; o festim e os uch?es que arrombavam as cubas de cerveja; a jornada de Violante Ramires para o Mosteiro de Lorv?o...
Junto �� fonte mourisca, entre os ulmeiros, A cavalgada p��ra...
O enr��do todo com a sua paix?o de grandeza barbara, os recontros bravios em que se saciam a punhal os rancores de ra?a, o heroico fallar despedido de labios de ferro--l�� estavam nos versos do titi, sonoros e bem balan?ados...
Monge, escuta! O solar de D. Ramires Por si, e pedra a pedra se aluira, Se j��mais um bastardo lhe pisasse, Com sapato aviltado, as lages puras!
Na realidade s�� lhe restava transp?r as formas fluidas do Romantismo de 1846 para a sua prosa tersa e mascula (como confessava o Castanheiro), de optima c?r archaica, lembrando o Bobo. E era um plagio? N?o! A quem, com mais seguro direito do que a elle, Ramires, pertencia a memoria dos Ramires historicos? A resurrei??o do velho Portugal, t?o bella no Castello de Santa Ireneia, n?o era obra individual do tio Duarte--mas dos Herculanos, dos Rebellos, das Academias, da erudi??o esparsa. E, de resto, quem conhecia hoje esse Poemeto, e mesmo o *Bardo*, delgado semanario que perpass��ra, durante cinco mezes, ha cincoenta annos, n'uma villa de Provincia?...! N?o hesitou mais, seduzido. E em quanto se despia, depois de beber aos goles um copo d'agua com bicarbonato de soda, j�� martellava a primeira linha do conto, �� maneira lapidaria da Salammb?:--?Era nos Pa?os de Santa Ireneia, por uma noite d'inverno, na sala alta da Alca?ova...?
Ao outro dia, procurou Jos�� Lucio Castanheiro na reparti??o dos Proprios Nacionaes, �� pressa,--por que, depois d'uma conferencia no Banco Hypothecario, ainda promettera acompanhar as primas Chellas a uma Exposi??o de Bordados na livraria Gomes. E annunciou ao Patriota que, positivamente, lhe assegurava para o primeiro numero dos *Annaes* a Novella, a que j�� decidira o titulo--a Torre de D. Ramires:
--Que lhe parece?
Deslumbrado, Jos�� Castanheiro atirou os magrissimos bra?os, resguardados pelas mangas d'alpaca, at�� �� abobada do esguio corredor em que o recebera:
--Sublime!... A Torre de D. Ramires!... O grande feito de Tructesindo Mendes Ramires contado por Gon?alo Mendes
Continue reading on your phone by scaning this QR Code
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.