avósinha d'estender a mão á
caridade publica e que sempre tão minha amiga tem sido. Perdoai-me,
senhora, se assim fallo...
--Dá-me um abraço, minha menina--lhe disse a viscondessa
interrompendo-a--dá-me um abraço, porque te mostraste tal, como eu
desejava, boa, humilde e reconhecida aos beneficios, que te fazem.
Não tenhas receio, que te separemos da snr.^a D. Thereza. Pediremos
sómente á tua bemfeitora, que nos deixe entrar com metade nos
beneficios, que te prodigalisa.
--E eu, Rosa--acrescentou D. Julia--quero ser a tua preceptora. Quando
o tempo estiver bom, dar-te-hei as lições na serra, á sombra d'um
sobreiro, ou d'um pinheiro, ou á borda d'um regato; e quando estiver
mau, dar-tas-hei em minha casa, porque ouso esperar, que a snr.^a D.
Thereza me não negará este favor, e prazer.
--Oh não, minha senhora, esteja certa d'isso. Logo que termine o seu
serviço dos cestinhos fica livre para vos ir procurar.
--É objecto convencionado--disse a viscondessa--por isso a snr.^a D.
Thereza ha-de-me permittir licença de offerecer a Rosa, para si e sua
avó, o que contém esta pequena bolsa. É para comprar em nosso nome
um vestido novo.
E como D. Thereza, Rosa e a avó lhe fizessem muitos agradecimentos,
a viscondessa impoz-lhes com brandura silencio, e retirou-se,
promettendo voltar muito breve á quinta.
D. Julia abraçou a sua pequena discipula, e retirou-se dizendo-lhe «até
ámanhã».
Nas proximidades de casa a viscondessa e sua filha encontraram D.
Bertha, que estava esperando pelas meninas Meirelles.
--Meu Deus, como estou aborrecida--lhes disse ella.
--Pois eu, minha irmã--respondeu D. Julia--venho muito alegre; o
espectaculo, que acabo de gosar, dar-me-ha felicidade não só para hoje,
mas tambem para muito tempo, porque será contado no numero das
minhas mais gratas e queridas recordações.
VIII.
D. Julia, na fórma convencionada, principiou no seguinte dia o curso,
que queria fazer seguir a Rosa. Tomou com ardor a obrigação, que se
tinha imposto desempenhar, mas o seu zelo não excedia, o que
mostrava a sua alumna. Intelligente, e anciosa por aprender, Rosa era
incansavel, e muitas vezes foi preciso que D. Julia moderasse a sua
applicação; as lições tinham lugar umas vezes na serra, outras vezes em
casa da viscondessa.
Decorreram assim tres mezes. No fim d'este tempo, os progressos, que
Rosa tinha feito, eram espantosos, e como tanto a professora, como a
discipula não afrouxavam no seu zelo, era d'esperar que, no fim dos
dous mezes que D. Julia ainda tinha a passar no campo, Rosa estivesse
bastante desenvolvida para continuar, sem nada esquecer, a estudar
sósinha, durante o inverno.
Mas, quando menos se esperava, a terrivel molestia, que parecia ter
deixado D. Julia, reappareceu com uma intensidade violenta.
A pobre menina não teve forças para resistir a este ataque, e não podia
sahir do quarto.
Rosa, que no auge da sua desesperação, com risco da propria vida,
quereria dar algumas forças á amiga do seu coração, podia a custo
conter as lagrimas, contemplando-a, pallida e cadaverica, recostada
n'uma cadeira de braços, forcejando por se levantar sem auxilio, para
não aterrar a sua querida mãi e a sua discipula predilecta.
N'este momento Rosa tinha um unico pensamento; o de sacrificar-se
por aquella, que tanto a amava e lhe queria. Os mais pequenos desejos,
e os mais vagos caprichos eram adivinhados de Rosa, e executados
antes mesmo que D. Julia os tivesse enunciado. Se queria descer ao
jardim, o braço de Rosa é que a amparava; se queria ouvir alguma
passagem dos seus livros favoritos, Rosa lia-lh'a immediatamente.
D. Julia, muito sensibilisada por tanta dedicação, affligia-se com a
lembrança, de que o progresso da sua discipula estava parado. D.
Bertha podia substituil-a, mas essa nunca consentiria em ser a
preceptôra d'uma lavradeira. A viscondessa resolveu-se a dar as lições a
Rosa, para socegar a inquietação de D. Julia.
Havia já tres semanas que D. Julia estava doente, e cada dia ia a peor;
sua mãi já não tinha esperanças algumas. Tres medicos, que do Porto
haviam sido chamados, não deram esperanças da doente melhorar.
A viscondessa, porém, não podendo convencer-se de que sua filha
estava irremediavelmente perdida, cria que os medicos se tinham
enganado, e resolveu recolher ao Porto, para lhe fazer uma nova junta.
D. Bertha, contristada ao principio com a molestia de sua irmã,
consolava-se com a idéa de voltar ao seio da sociedade, que ella tanto
amava.
Só á força de muitas instancias e esforços é que D. Julia consentiu em
deixar o campo; mas, ainda assim, com a expressa condição de para lá
voltar se peorasse.
Quando Rosa soube que a viscondessa se ia retirar do campo, não pôde
conter a sua desesperação. Queria acompanhar D. Julia, e não a
desamparar um só instante. D. Julia procurava socegal-a, mas tudo era
baldado, por que Rosa estava inconsolavel.
Na vespera da partida Rosa veio despedir-se de D. Julia; lançou-se-lhe
aos pés,
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