a Fome da mansarda na janella, a Inveja ululando contra a preza, como uiva á lua a lugubre cadella, e o Suicidio, nas manh?s geladas, espeda?ando o craneo nas cal?adas.
Um dia cantarei a ladainha?da Desgra?a e da Forma triumphante,?da Espada que tilinta na bainha,?da Mascara que ri e passa avante,?da Fome que ergue as m?os e se definha,?do Leque, da Batina, e do Brilhante?das lagrimas mortaes do eterno Entrudo,?das miserias do Cancro e do Velludo.
Por que tem muito que cantar o imperio?e o inferno da Carne e dos desejos,?porque é eterno e livido o mysterio?da Morte. S?o eternos os almejos.?Por que ha lagrimas do ber?o ao cemiterio,?ha lagrimas no Amor e até nos beijos,?prantos communs e de grotescos tra?os?nas miserias dos reis e dos palha?os.
Porque tem muito que cantar as scenas?ó Rua! das extranhas odysseas?das tuas festas, prociss?es serenas,?do negro sangue que te agita as veias.?Por que ha remorsos, lagrimas e penas?entre os motins e os frenesins das ceias.?Por que n'esta funesta e eterna far?a.?ai! tanto chora o actor como o comparsa.
Por que ha bastantes cora??es vencidos,?altos desejos que n?o mais voaram,?sinistros ais e intimos gemidos?lagrimas mudas que se n?o choraram.?Sim, ha solu?os que n?o s?o ouvidos,?lagrimas mortas que se congelaram,?n'uma miseria, um abandono nobre?como um enterro n'uma rua pobre!
Porque ninguem conhece onde termina
? tregeito que rí, solu?a, engana, porque a eterna Mascara domina, e é uma esfinge cada face humana. Porque a Morte em nós ceifa uma ruina, quando nos rouba na aza deshumana, e esta mulher que ri com tanta gra?a, é talvez uma lagrima que passa!
Mas agora eu só conto o Irrevogavel,?mais monstruoso do que um sonho ardente,?conto a historia funesta, inexoravel,?do Genio morto á fome, indignamente.?Quero narrar o que é o innarravel!?fazer sentir o que jámais se sente,?fazer chorar o choro masculino?Do Genio contra a noute do Destino!
O Genio é um archanjo refulgente?que enrista a lan?a contra a escura Sorte,?tem no seu gesto uma express?o potente,?que diz: eu quero! e empallidece a Morte.?Para o Vulgo porem vil inclemente,?e o Destino esse cego antigo e forte,?é um guerreiro tragico e proscripto,?e a fronte tem como um luar maldito.
Este vulto, portanto, que caminha?altas horas, ao frio das nortadas,?é Cam?es que de fome se definha?nas ruas de Lisboa abandonadas.?é Cam?es a que a Sorte vil mesquinha?faz em noutes de fome torturadas,?elle o velho cantor d'heroes guerreiros!...?vagar errante como os vis rafeiros.
Morreu-lhe o escravo, o seu fiel amigo,
? seu amparo e seu bord?o no mundo, morreu-lhe o humilde companheiro antigo, no seu peito deixando um vacuo fundo. Hoje pois triste, velho, sem abrigo, faminto, abandonado e vagabundo, tenta esmollar tambem pelas esquinas. ó lagrimas!.. ó glorias!.. ó ruinas!..
Mas n?o estende o valoroso bra?o,?que outr'ora trabalhou entre os guerreiros,?a m?o recusa-se a suster o passo?dos transeuntes raros, sobranceiros.?A Fome roe-o, curva-o o can?asso.?Cospem-lhe a neve, a chuva, os aguaceiros.?ó cal?adas fataes! nas enxurradas?vae muito fel de lagrimas choradas.
ó Capit?es! ó Capit?es egoistas!?duras velhas mais duras que o granito!?ha caso mais sublime às vossas vistas?que mais vos deva merecer um grito,?mais negro, mais cruel para os artistas,?mais sagrado, dramatico, infinito,?que mais abale os nobres peitos francos?que um Genio pobre e de cabellos brancos!?...
O Genio continua á ventania?a errar pelas ruas silenciosas,?como um espectro que dissipa o dia,?como as grandes estatuas dolorosas.?Assim a noute vaga, na agonia?dos martyres das noutes trabalhosas,?até que o sol jorrou pelas viellas,?e ensanguentou os olhos das janellas.
Come?am-se a ouvir esses rumores?das capitaes egoistas acordadas,?a musica dos carros chiadores?que chegam das aldeias retiradas.?Recome?am as pombas seus amores?sobre as brancas egrejas penduradas,?e nas torres dos astros companheiras,?a palpitar, nas glorias, as bandeiras.
Come?am-se a ouvir as matutinas?musicas da cidade, e as alegrias?dos gallos com as notas crystallinas?dos sinos com extranhas simphonias.?O sol lava de glorias as collinas?as torres, os beiraes, as gelosias,?e como a mo?a que um amante beija?avermelham-se os vidros d'uma egreja.
Dos passaros retinem os gorgeios?nas arvores, nas pontas dos eirados,?os vis riachos, os lodosos veios,?correm ralhando, ao sol, precipitados,?os cavallos remordem os seus freios,?v?o passando alde?es para os mercados,?e atraz dos lentos carros os boieiros?veem sombrios, graves, e trigueiros.
Somente ao Genio uma tristeza enorme?entenebrece todos os ruidos,?como um sombrio cora??o que dorme,?que já n?o tem nem sonhos, nem gemidos!?Só sente uma saudade extranha, informe,?como aroma dos tempos revolvidos,?das grandes selvas, sombras e palmeiras?quando o sol desce as ingremes ladeiras.
Os alde?es tisnados dos trabalhos,?recome?ando as horas das fadigas,?recordam-lhes os épicos carvalhos?a sombra, os bois, as sestas t?o amigas!?Fazem lembrar-lhe as curvas dos atalhos,?a ermida, a fonte, os fenos, e as cantigas,?que elle escutara, pelas luas claras,?ás louras raparigas nas ceáras!
Lembram-lhe a India, os templos monstruosos,?com seus deuses terriveis, singulares,?as arvores de fructos venenosos,?as bastas selvas, os gentis palmares!?Lembram-lhe os tigres ruivos, sequiosos,?que v?o beber a rios como a mares,?e pelas noites immortaes, eternas!
? luar nas figueiras das cisternas
E elle quizera achar-se em alto monte,?em cima tendo os astros por juizes,?dizendo adeus ao sol
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