senhor Jorge de Macedo, que apesar de estimar-me muito, talvez n?o approve esta affei??o, que come?a a prender-nos hoje.
--Ha de approval-a, basta que eu lhe diga que o amo.
--Em todo o caso n?o a descubra V. Ex.a por ora, n?o?
--N?o.
---E se um outro homem, um homem qualquer se dirigir a V. Ex.a, ou se mesmo seu pae lhe apontar algum, como digno de partilhar do nome da sua familia?
--Despedil-o-ei.
--Agradecido, minha senhora.
--E olhe, quando n?o possa vir vêr-me, dê-me ao menos noticias suas, sim? Fico com tantas saudades e com tantas lembran?as d'este dia!
--Tambem eu as levo. Mas por quem lhe heide dar as minhas noticias?
--Pelo cabinda. O negro quer-me muito; bem sabe que sou a filha d'elle.
--Muito bem. Agora retiro-me que s?o horas. Levo-a a V. Ex.a gravada nos olhos, e no cora??o.
--Fa?a-me ainda uma coisa, faz?
--Tudo, minha senhora.
--Deixe as excellencias com que me trata e mostre-me mais confian?a.
--Seja. Era essa a minha vontade. Adeus... Magdalena.
--Até breve... Luiz!
E apertaram-se as m?os n'uma effus?o de grandissimo sentimento, e separaram-se depois, saudosos ambos, ambos melancholicos e impressionados.
Americo e os outros empregados do armazem partiram tambem.
Jorge deixou depois a filha e sahiu.
Magdalena ficou só.
Nas salas havia aquella meia escurid?o da hora melancholica da transi??o do dia para a noite. No céo já brilhavam, formosas, algumas estrellas.
Magdalena foi sentar-se ao piano. N?o ia tocar, ia fazer mais, porque ia gemer saudades com aquelle amigo.
As harmonias que encheram a sala eram suaves e melancholicas; casavam-se em tudo com o que ella estava sentindo, e transportavam-a a mundos onde nunca tinha subido.
As m?os formosas e delicadas premiam suavemente as teclas de marfim, mas o seu espirito só via uma imagem, aquella musica só lhe repetia um nome:
--Luiz.
E t?o embebida estava, t?o embrenhada jazia n'aquelle sonho que a dominava, que nem sequer deu pelo cabinda, que surgiu cautelloso a uma das portas.
O negro parou n'uma contempla??o, que era a maior prova do seu culto por Magdalena. Mas ao vel-a assim t?o preoccupada, ao parecer-lhe triste, approximou-se carinhoso e disse, com toda a sua affei??o a transparecer-lhe na voz:
--Ainda está triste a minha filha?
Magdalena como que accordando d'um sonho respondeu:
--N?o, cabinda. Agora penso na felicidade.
--E o branco?
--Tenho-o aqui, respondeu, indicando o cora??o.
--Mas a senhora mo?a é ainda a filha do cabinda!
--Sou, sim; tu és meu amigo, e elle... elle amo-o muito!
VI
Vai um pouco adiantada a noite.
A lua dardeja os seus raios de prata nos morros da Tijuca, do P?o d'Assucar e Corcovado, e c?a a sua luz pallida pelos intresticios da vegeta??o luxuriante dos arrabaldes do Rio de Janeiro.
Que noite formosa!
Prendem-se as estrellas umas ás outras pelas suas palhetas luminosas, e bordam, como brilhantes de subido valor, o manto azul da vasta abóbada do céo.
Dormem as aves ao som do murmurio suave das auras, que perpassam entre a ramaria das arvores alentadas e fórtes. A atmosphera impregnou-se durante o dia, dos perfumes das fl?res e dos fructos, que o sol fecundante fez amadurecer e desabrochar.
O ananáz e o jasmin, o cajú e as acacias brancas, a pitanga e as rosas de Alexandria, as fl?res todas, e todos os p?mos das arvores fructiferas, casam, umas com as outras, os seus aromas deliciosos, do conjunto dos quaes, se fórma uma essencia, que embriaga, que é doce, e suave, e agradavel.
O Botafogo dorme, velado pelo manto das suas bellezas, no centro d'um silencio, apenas quebrado pelo cicio das agoas da sua poetica enseada.
No meio de tudo isto, de todas estas bellezas, ha um ente que ainda n?o repousa, enlevado em sonhos de fascinadora poesia.
é Magdalena, a filha do cabinda.
A formosa virgem encostou-se ao peitoril da sua janella, e, silenciosa, firmou os olhos pensativos, n'um ponto, onde a imagina??o e o espirito, est?o fazendo passar, desenrolando-se rapidos, uns variadissimos panoramas, umas paisagens de infinitas bellezas!
Está como que sonhando.
Sonha, jurity mimosa e meiga, que os sonhos das alvoradas do amor s?o formosos e bellos! Abre o sacrario virgem do teu cora??o, que come?a a fecundar as primeiras fl?res, aos perfumes que a aragem da noite transporta nas suas azas!
Faz as tuas confidencias á lua; conta os teus segredos ás estrellas; porque uma e outras vir?o, em cada noite, reflectir da altura, onde andam suspensas, a imagem que te povoa a alma, o cora??o e a soledade! Scisma; prende pelo espirito, por esse élo mysterioso, que aniquila as distancias, o pensamento ao pensamento, que vem, de longe fundir-se com o teu, em um só! Deixa que o cora??o se dilate, que a alma se expanda, e se aque?a ao calor do sentimento que a anima!
Oh! mas cahem-te dos olhos, que reflectem o céo, como se a proprio céo elles fossem, duas perolas mimosas!
Porque choras, crian?a? Que pêso poder?o ter na balan?a do teu destino essas duas lagrimas, que ninguem vê, mas que alguem beberia soffrego, embora occultassem a morte? S?o o baptismo do teu
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