Á hora do crime | Page 7

Francisco Luiz Coutinho de Miranda
populares que correm para aquelle lado... e um fumo denso que é de certo produzido pelos tiros que ouvimos!

SCENA VI
*Os mesmos, Izabel e depois Pablo*
IZABEL
(Da porta lateral, correndo) Que é isto, meus senhores? N?o ouviram uma horrivel detona??o? Foi de certo um crime tremendo que acabou de se perpetrar!
ALGUMAS VOZES
Ouvimos! Ouvimos!
D. CARLOS
(Na janella) Lá corre um homem de bluze azul!... Toma a direc??o do Prado!
PABLO
(Do fundo. Vem precipitadamente, e hesita vendo tanta gente) Perd?o, meus senhores... n?o sabia...
D. EMILIO
(Inquieto) Falla! falla! O que aconteceu.
PABLO
Uma grande atrocidade, meus senhores!... Que tambem, verdade seja, elle tem feito morrer bastantes desgra?ados, e os senhores, quem sabe? talvez que algum dia tivessem de pagar o patau n'uma morte parecida com a que elle teve!
VOZES
Mas falla... dize... o que foi?
PABLO
Ora, o que foi? O general Prim vinha do Congresso, dirigia-se ao ministerio da guerra; vae sen?o quando...
IZABEL
Meu Deus! O general! N?o mentiram os meus presentimentos!
PABLO
(Continuando) Vae se n?o quando, o trem pára, por que a rua estava tomada por duas carruagens que a obstruiam; e palavras n?o eram ditas, quando um dos ajudantes do marechal deita a cabe?a de fóra para vêr o que aquillo era, uns poucos d'homens disparam á queima roupa os seus trabucos para dentro da carruagem, e, por Maria Purissima! lá ficaram todos de certo com os anjinhos!
TODOS
Horror! Infamia!
IZABEL
(Desvairada) E Martinez... tambem ia... tambem morreu?
PABLO
Eu sei lá, menina! Eu n?o o vi; mas se lá ia dentro...
IZABEL
(Desfallecendo) Morto!... elle!... (Desmaia; mas só Pablo lhe presta soccorro, porque os demais personagens est?o preoccupados com a noticia)
D. EMILIO
(Em tom solemne e com sentimento) Meus senhores, tinhamos raz?es de desamor, n?o sei se profundo; mas quero bem crer que temporario, pelo heroe que depois de affrontar mil vezes a morte, no campo aberto da batalha, e de conquistar, para si e para a patria, immarcessiveis louros, acaba de soccumbir a um t?o covarde crime! Foi nosso companheiro no exilio, n?o chegou a comprehender os generosos intuitos do nosso partido, op?z uma barreira de ferro ás nossas aspira??es democraticas; mas era hespanhol e christ?o, e cumpre-nos, primeiro que tudo, enviar a Deus uma prece fervente pelo repouso da sua grande alma! De joelhos, amigos, e oremos! (Joelham todos.--Martinez aparece ao fundo.)

SCENA VII
*Os mesmos e Martinez*
MARTINEZ
(Entre a porta do fundo, maravilhado) Que vejo!... Todos estes homens orando! Elles!... os alcunhados pedreiros livres! Elles!... os temidos hereges! Elles!... os republicanos!
D. RAMON
(Erguendo-se) De que te espantas, meu filho? Somos christ?os, e oramos a Deus pela alma do teu general, t?o infamemente assassinado!
MARTINEZ
Felizmente s?o ora??es perdidas, porque o marechal apenas se acha levemente ferido! Mas n?o foi perdida a scena que acabo de presenciar, o espectaculo commovente que vim surprehender! Bemdita a fatalidade que sem produzir os resultados negros a que mirava, operou a convers?o espontanea de um illudido, que se deixou desvairar pela calumnia atroz dos que infamemente pretendem esmagar o credito dos republicanos! (Abra?ando D. Ramon) Acceite no seu gremio um convertido!
D. CARLOS
Mas o general... n?o morreu?
IZABEL
(Despertando) Estas vozes... Estes rostos alegres... (Vendo Martinez) Tu... vivo!... (Palpando-o) Nem sequer foste ferido? (A D. Ramon) Perd?o meu pae! (Aos demais) Desculpem, meus senhores! Martinez é meu noivo... e em poucos dias será meu marido!
MARTINEZ
Socega! N?o morreu ninguem! Eu estou s?o; o meu general foi levemente ferido n'uma das m?os, pelos tiros d'aquelles miseraveis, e Nandin tambem tem um ferimento, que felizmente n?o é grave.
TODOS
Ainda bem! Ainda bem!
D. CARLOS
(A si mesmo) N?o digo eu--ainda bem--porque sou medico. Receio bastante que a ferida seja mortal, por que sei que o ferimento produsido pela arma de fogo é quasi sempre fatal, quando o frio é intenso, como o d'estes dias tem sido.
D. EMILIO
Rendamos gra?as a Deus, por ter permitido que se frustrasse um t?o negro crime. é que a Providencia reserva ainda de certo o general Prim, para algum grandioso commettimento em favor do seu paiz!
IZABEL
E oxalá que assim seja! Oxalá que um dia chegue, em que aquelle valente militar possa comnosco bradar:--Viva a republica!
TODOS
Viva a republica!
IZABEL
Desculpa, Mantinez! O meu cora??o é teu, e da idéa generosa e sublime de que estes cavalheiros s?o dedicados apostolos!
MARTINEZ
E de que eu come?o hoje o noviciado!
IZABEL
(Muito contente) Converteste-te?!... Oh! é mais um presente da Providencia! Eu vol-o agrade?o, meu Deus!...
D. RAMON
é um anjo, que sente como nós santo amor pela republica!
D. EMILIO
Acompanho, intimamente regosijado, as sauda??es angelicas da donzella innocente, que bem representa aqui a santa virgem da democracia! Mas que o nosso enthusiasmo nos n?o torne suspeitos de cumplicidade no crime nefando que tanto nos indignou! é mister que todos nós, em vez das projectadas manifesta??es de desagrado ao rei eleito, prestemos sincera homenagem ao vulto gigante, que ia sendo victima de um t?o monstruoso attentado! T?o feio crime só póde ter sido perpetrado por facinoras, por miseraveis, por maus hespanhoes! N?o foram de certo, n?o; n?o foram adeptos da nossa cren?a, religionarios
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