Verdades amargas | Page 2

Claúdio José Nunes
phrase tradicional da imprensa, talvez n?o passe amanh? de ponto confuso na topographía politica de um povo regenerado.
I
Haverá criterio moral no paiz, em t?o larga escala e com tal cunho, que dê physionomia á vida publica portugueza?
Infelizmente, n?o.
é certo que n?o escaceia nas transac??es da vida particular essa honestidade, que á for?a de ser obriga??o, n?o passa de banal virtude. Toda a terra em que ella chegasse a constituir excep??o cedo se converteria n'uma charneca de salteadores, aonde o mais robusto e o mais audaz tomaria a realeza do roubo e do assassinato.
N?o falta igualmente quem modele o seu procedimento, no tracto commum, pelas normas de escrupulosa delicadeza, n?o consentindo que a sombra sequer de uma duvida lhe embacie a transparencia do nome.
Mas n?o se trata aqui de individuos; aprecia-se a collectividade.
N?o se allude a homens; falla-se do paiz.
Do paiz que elege.
Do paiz que legisla.
Do paiz que governa.
Do paiz politico, n'uma palavra.
N'este, for?a é confessal-o, as excep??es invadem a regra geral.
As convic??es andam alli geralmente á mercê dos ventos do ceu.
Um enxame de incredulos, que borboleteiam de despeito em despeito ou de interesse em interesse, pousando hoje aqui e além ámanh?, suga o mel do partido em que eventualmente pousou, flor tanto mais procurada quanto mais se espaneja ao sol do poder.
Os proprios programmas partidarios batem repetidas ter??s. Ardem na febre ou gelam no frio, segundo s?o difficuldades de governo ou facilidades de opposi??o.
No meio d'esta balburdia quasi toda a gente é correligionaria de quasi toda a gente.
Parece que o pobre do or?amento é floresta aonde se ca?a a fur?o e a rede, a tiro e a pau.
N?o ha mezes defezos, nem habilita??o policial.
Entra quem póde. Fere, mata e apanha quem teve melhor olho ou mais vigoroso lebreu.
Gasta-se metade do anno a demolir os adversarios e a outra metade a forjar com elles alguma salvadora fus?o.
E como n'esta aben?oada terra n?o se discutem principios mas homens, o imbecil, o devasso, o infame da vespera será no dia seguinte honrado collega.
A abnega??o democratica é apregoada de boca em boca mas, para honra e gloria d'ella, um chuveiro de titulos e condecora??es alaga por vezes em ridiculo a prosapia do agraciado e a referenda do bemfeitor.
Mais ainda. Trope?a um conde na plebe, levanta-se logo marquez.
Se vem a republica, é certo o ducado.
A lei anda em interinidade. Reformas de reformas reformam o que foi reformado. Quem se descuidar um mez de estar em dia com a legisla??o arrisca-se a dar comsigo n'algum labyrintho de referencias ou n'algum fojo de multas.
Leis n?o faltam. Verdade é que, em compensa??o, ficam muitas em letra morta.
O respeito ao principio de auctoridade, sem o qual nem a propria liberdade florece e fructifica, vai-se pouco a pouco obliterando no espirito das massas.
Só em tempo de elei??es e a tres metros da urna é que, por uma fatal invers?o, a indisciplinada turbulencia do campanario se dobra aos conselhos de quem alli representa aquelle desprezado principio.
Fóra d'essa quadra excepcional, queimam-se cartorios publicos; espancam-se empregados; negam-se esclarecimentos e toca-se a rebate contra os agentes da lei.
A intriga e a calumnia s?o moeda corrente. Emquanto a mentiras já n?o incommodam quem as ouve e as diz. O caso é que se minta a proposito e bem.
Quest?o de habilidade.
As varias fórmas da utilidade invadem todos os corpos e todas as almas. Subir e medrar, gozar e vencer s?o os pontos cardeaes do mappa das cren?as.
Quem negará que o escandalo seja uma excellente recommenda??o?
Exemplifique-se:
Anda por ventura a atten??o popular em curioso convivio com os mestres da escripta; com a musa da forte e s? litteratura; com Garrett, Herculano, Castilho, Rebello e Mendes Leal?
Passa a vista pelos trabalhos serios da imprensa?
Occupa-se, porventura, em ler as discuss?es parlamentares?
N?o, n?o. No seu paladar pervertido sómente causa o estimulo da curiosidade algum pamphleto immundo, em que se insulte a decencia; se morda na lingua; se cuspa nas institui??es e se esbofeteie a verdade.
E quanto mais é cobarde a insinua??o; quanto é mais vil a denuncia; quanto mais salgada é a infamia da phrase, tanto mais as saboreia a avidez popular e se deleita com ellas o commum dos leitores.
* * * * *
Mas basta de generalidades e venha um facto concreto.
Triumpha uma sedi??o militar. Nos sal?es, outr'ora desertos, do conspirador, acotovella-se, horas depois, a turba cerrada dos cortez?os da victoria. N?o admira. Ha musica no c?ro e bodo no pateo. Rebenta um partido do cofre das gra?as. Formigam as adhes?es. Enxameam os enthusiastas. N?o chegam os clarins para os arautos da gloria.
á excep??o da parcialidade vencida, todas as outras se derretem em nega?as ao heroe do momento. De todos os cantos estalla um catharro provocador.
E um sargento de ca?adores fechára as portas do parlamento!
Vem uma e diz:
?Sou a Regenera??o. Já n?o me conhece, marechal? As amizades antigas nunca se perdem. Se n?o tenho o fogo da mocidade, tenho a
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