Uma família ingleza

Júlio Dinis
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Uma família ingleza

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Title: Uma família ingleza Scenas da vida do porto
Author: Júlio Dinis
Release Date: August 5, 2005 [EBook #16443]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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UMA FAMILIA INGLEZA

UMA FAMILIA INGLEZA
SCENAS DA VIDA DO PORTO
POR
JULIO DINIZ
Terceira Edi??o
Porto
Em casa de A. R. da Cruz Coutinho, Editor
18--Rua dos Caldeireiros--20
1875
TYPOGRAPHIA DO JORNAL DO PORTO Rua Ferreira Borges, 31

UMA FAMILIA INGLEZA

I
ESPECIE DE PROLOGO, EM QUE SE FAZ UMA APRESENTA??O AO LEITOR
Entre os subditos da rainha Victoria, residentes no Porto, ao principiar a segunda metade do seculo dezenove, nenhum havia mais bemquisto e mais obsequiado, e poucos se apontavam como mais fleugmaticos e genuinamente inglezes, do que Mr. Richard Whitestone.
Por tal nome era em toda a cidade conhecido um abastado negociante de fino tacto commercial e genio emprehendedor, cujo credito nas primeiras pra?as da Europa e da America, e com especialidade nos vastos emporios da Gran-Bretanha, se firmava em bases de uma solidez superabundantemente provada.
Nos livros de registro do Bank of England, bem como nos de alguns _Joint-Stock banks_ e dos banqueiros particulares da City ou de _West-End_, podia-se procurar com exito documentos justificativos d'este credito florescente.
N?o era Mr. Richard homem para seguir sómente caminhos batidos, nem para empallidecer ao abalan?ar-se em veredas n?o arroteadas, onde se achava a sós com os seus esfor?os e tenacidade.
Por vezes arriscára capitaes a inaugurar companhias, a plantar novos ramos de commercio, a auxiliar industrias nascentes, aventurando assim proveitosos exemplos, para serem seguidos depois, já com melhores garantias de lucro, por seus collegas, caracteres em geral cautelosos e positivos e sempre desconfiados a respeito de innova??es.
Apesar d'isso, as crises, essas derruidoras tempestades t?o frequentes na vida do commercio, tinham passado por cima da casa Whitestone, respeitando-a. Através das nuvens negras, que tantas vezes assombram o mundo monetario, vira-se sempre brilhar a firma do honrado Mr. Richard, com o esplendor tradicional; emquanto que n?o sorriram fados t?o propicios ás de muitos meticulosos e precatados, n?o obstante egoistas absten??es.
Era o caso de mais uma vez repetir o Audaces fortuna... de já estafada memoria.
Esta immunidade, em parte devida á lucida intelligencia, com a qual Mr. Richard sabia superintender nos variados negocios do seu tracto, em parte a n?o sei que benigno espirito, ou acaso feliz, a que muitas vezes parece andar subordinada a fortuna, valera-lhe uma illimitada confian?a entre todos, com quem o negocio o ligava, confian?a da qual, nem em circumstancias frivolas, se mostrou nunca indigno depositario.
O quotidiano apparecimento do negociante estrangeiro na Pra?a--nome que entre nós se dá ainda á rua dos Inglezes, principal centro de transac??es do alto commercio portuense--festejavam-o benevolentes sorrisos, rasgadas e pressurosas reverencias, phrases de insinuante amabilidade e affectuosos _shake-hands_, segundo o mais ou menos adiantado grau de familiaridade, que cada qual mantinha com elle.
Ninguem se dispensava de qualquer d'estas demonstra??es de estima, ou as impozesse o prestigio dos avultados capitaes e da social liberalidade do commerciante britannico, ou--como de preferencia opinar?o os que melhor conceito formam dos homens--um longo passado sem mancha, uma rectid?o e cavalheirismo, aquilatados todos os dias.
Mr. Whitestone n?o se deixava porém desvanecer com estas homenagens dos seus confrades, aliás merecidas.
Decididamente n?o era a vaidade o seu defeito dominante. Aspirando essa especie de incenso moral, que t?o bem formadas cabe?as atord?a, n?o sentia, no intimo, turbar-se a limpidez, verdadeiramente crystallina, da raz?o, n'elle pouco sujeita a esva?mentos.
Os gêlos d'aquelle cora??o, formado e desenvolvido a cincoenta e um graus de latitude septentrional, n?o se fundiam com t?o pouco.
L?as, hymnos encomiasticos, capazes, ainda que em prosa, de atemorisar as modestias menos esquivas, protestos hyperbolicos de venera??o a todo o transe, tudo isso escutava friamente e sem nem sequer experimentar certa agradavel e voluptuosa titilla??o da alma--se me admittem a phrase--que em quasi todos os filhos de Eva,--primeira e mal estreiada victima da lisonja--produzem sempre os panegyricos do merecimento proprio, entoados por b?cas alheias.
A mesma indifferen?a, a mesma, se n?o absoluta impassibilidade, estabilidade de raz?o pelo menos, com que, uns após outros, esvasiava copos de cerveja e calices do Porto e Madeira, de rhum, de cognac, de kummel, de gingerbeer, e até de absintho, liba??es, que a qualquer pessoa menos inglezmente organisada amea?ariam, em pouco tempo, com as mais pavorosas consequencias de um completo alcoolismo; essa mesma indifferen?a e impassibilidade oppunha ao effeito, n?o menos inebriante, das lisonjas de que lhe enchiam os ouvidos.
A eloquencia cortez? dos seus muitos enthusiastas mais do que uma vez a recebia assobiando distrahidamente, mas
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