Salmos do prisioneiro | Page 9

Jaime de Magalhães Lima
treva o padecer, Alguem, Consolador, velou por ti, convertendo na luz a escurid?o. Alguem te transformou em claridade a negrura do mundo e a do teu peito. Se a treva te prendeu e por fraqueza te rendeste ao martírio da tristeza, que só te mortifica porque foste infiel, feriste o Senhor, renasce para a humildade e para a bondade, acorda e vê que a luz jámais fenece e sempre vem remir-te, para que a louves, em teu ser e nos céus, onde a encontrares purificando a terra e o cora??o.
XVIII
Pelos degraus de marmore subi à morada dos grandes que se abrigam sob tetos dourados, arrastando os enfadados ócios da riqueza. Benignamente me acolheu o seu fausto; e generosos, sen?o indiferentes, repartiram comigo os seus banquetes onde o destino os apartou do vulgo, para afagar-lhes volupias caprichosas que o tédio implacavel lhes segreda. Do seu esplendor tambêm fui escravo; tambêm me deslumbrou, tambêm o quiz e entre surpreza e espanto o experimentei, na embriaguês daquela estranha e pérfida beleza que no luxo se acoita e nêle oculta, sob um manto divino e formosura, em purpura e no jaspe e na ametista, uma trai??o cruel de outra beleza--da infinita beleza que é singéla e humilde e é castidade, que é a isen??o sem temor e é a caridade, que é a alegria em Deus e na pobreza, que confiou á terra o seu sustento, que é eterna, que n?o mente e n?o desmaia, e nos dá a vida e para sempre afasta a morte, porque o Senhor a mandou e a aben?oou.
Ou f?sse desengano ou f?sse esperan?a de ventura maior que essa, mesquinha, que sendo ouro é pó e em pó se volve, sentindo-me indigente me apartei da rijida frieza dos palácios, peregrino votado a incerta estrada. E vim aos casais pobres, a pedir-lhes esmola de consolo e fortaleza, toda a luz da alma e o calor de afectos e o louvor de Deus que a soberba baniu, na ignorancia do seu alto poder; vim pedir-lhes a firmeza e coragem, que no orgulho andam pervertidas, e o trabalho e a fé que s?o braz?o, altar e epopeia dêsses tugurios razos como o zimbro em que o teto mal cobre, a custo abrange, uma enxada e o ber?o e o cora??o, doirando só de amor e de fadiga um lar estreito, a rudeza das pedras mal unidas e os colmos negros que as revestiram.
é grande e altivo o cedro e é magestoso na opulencia profunda das suas frondes; e é pequenino o musgo que se arrasta no recato obscuro da sua sombra. Mas vestiu luto e tristeza o cedro alto e um severo desdem da sorte alheia; e só sonhou do?ura o musgo humilde, n?o houve mansid?o que o n?o beijasse, n?o houve esplendor que o n?o cobrisse. E o vendaval partiu o cedro robusto e sem vida o prostrou para desfazer-se; e o musgo n?o sentiu a tempestade, sorriu à violência quando o a?oita como sorriu ao sol quando o alentava.
Seja o palácio como o cedro alto! Seja a cabana como o musgo humilde!...
Ah! F?sse eu o senhor do meu destino e da minha fraqueza me remisse, soubesse eu servir meu cora??o para que o seu anseio consumasse, e eu iria prendê-lo na choupana, onde a suma beleza e o sumo bem, seus tesouros e luz e os seus coros, s?o os seios que d?o vida amamentando e os bra?os que d?o o p?o cavando a terra!
XIX
A ave chora e geme enlouquecida derramando a tristeza na floresta. Desnaturada m?o lhe roubou os filhos para os votar à morte na tortura.
Em v?o soltou a ave o seu clamor da materna agonia enternecida. Em v?o chamou, dorida, anciosamente, por quem responda e queira ao seu amor, sedento, insaciavel de outro amor que agora n?o encontra e experimentou em freimas e fadigas e carinhos de afortunados dias prolongados!...
Já desmaia o poente e, descorado, deixa crescer a noite e se abandona a todo o seu império. Sentiu-a aproximar-se a ave infeliz. Redobra e é mais aguda e mais a oprime a lacrimosa mágoa em que se perde.
é noite; é noite!... é a escurid?o e o frio e o desamparo. Que peito o seu amor vai proteger?... Por quem há-de correr todo o seu sangue?... Quem virá receber-lhe o seu alento?... Que boca o seu calor há-de aquecer?... Para que a vida sen?o para dar a vida?... Para que, sen?o para a dar só por amor?!...
Ao fim, na solid?o como contricta de tamanho sofrer em que comunga, ao gemido da ave respondeu a d?r, a companheira que encontrou em seu tépido ninho onde afagára os sonhos de ventura malfadados.
E ao lamento da ave me prendi, como se prendem cora??es irm?os. Porque, escutando-o, repetiu e disse a fortuna e desgra?a do meu peito--quanta ilus?o e sonho arrebatado só
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