Só | Page 3

António Nobre
tia,?Na roca de oiro a fiar??Loiro linho que ella fia,?Ajudei-lh'o eu a seccar!?E o luar é a Virgem Maria...?Que lindo vae o luar!?--Vaes ver a tua m?esinha??Coitada! vi-a expirar:?Tinha a alma t?o levezinha,?Que voou sem eu lhe tocar!...?E o cavalleiro caminha,?Caminha sem se importar!?--Vaes ver tua irm?? Ao peito?Traz um menino a criar:?Ai com que bom, lindo geito?Ella o sabe acalentar!?E o vento embala no peito?Uma nuvem, p'ra imitar!?--Onde vaes tu? Aonde, aonde??Phantasma! vaes-te cazar??Eu sei da filha d'um conde?Que por ti vive a penar...?E o phantasma n?o responde,?Sempre, sempre, sempre a andar!?--Vaes á cata da Ventura?Que anda os homens a tentar??(Ai d'aquelle que a procura?Que eu nunca a pude encontrar...)?N'isto, pára a criatura,?Faz seu cavallo estacar:?--Vento, sim! Espera, espera!?Que estrada devo tomar??(é um menino, é uma chymera?E todo lhe ri o olhar...)?E o vento, com voz austera,?Dor, querendo disfar?ar:?--Toma todas as estradas?Todas, áquem e além-mar:?Ser?o inuteis jornadas,?Nunca lá has-de chegar...?Palavras foram facadas?Que é vel-o, todo a sangrar...?E seus cabellos trigueiros?Come?am de branquiar,?E olham-se os dois cavalleiros...?Quedam-se ambos a scismar.?Brilha o Oriente entre os pinheiros,?Ouvem-se os gallos cantar...?--Adeus, adeus! Nasce a aurora,?Adeus! vamos trabalhar!?Adeus, adeus! vou-me embora:?Chamaram-me as velas, no mar...?E o vento vae por hi fóra,?No seu cavallo, a ventar...
Pariz, 1891.
*Purinha*
O Espirito, a Nuvem, a Sombra, a Chymera,?Que (aonde ainda n?o sei) neste mundo me espera?Aquella que, um dia, mais leve que a bruma,?Toda cheia de véus, como uma Espuma,?O Sr. Padre me dará p'ra mim?E a seus pés me dirá, toda corada: Sim!?Ha-de ser alta como a Torre de David,?Magrinha como um choupo onde se enla?a a vide?E seu cabello em cachos, cachos d'uvas,?E negro como a capa das viuvas...?(á maneira o trará das virgens de Belem?Que a Nossa Senhora ficava t?o bem!)?E será uma espada a sua m?o,?E branca como a neve do Mar?o,?E seus dedos ser?o como punhaes,?Fuzos de prata onde fiarei meus ais!?E os seus seios ser?o como dois ninhos,?E seus sonhos ser?o os passarinhos,?E será sua bocca uma rom?,?Seus olhos duas Estrellinhas da Manh?!?Seu corpo ligeiro, t?o leve, t?o leve,?Como um sonho, como a neve,?Que hei-de suppor estar a ver, ao vel-a,?Cabrinhas montezas da Serra da Estrella...?E ha-de ser natural como as hervas dos montes?E as rolas das serras e as agoas das fontes...?E ha-de ser boa, excepcional, quazi divina.?Mais pura, mais simples, que mo?a e menina.?Deus, pela voz dos rouxinoes ha-de gabal-a?E os rios ao passar h?o-de cantal-a.?Seu virgem cora??o ha-de ser t?o branquinho,?Que n?o ha neste, mundo a que egualal-o: o linho?Que, em roca de crystal, fiava a minha Avó?Parecerá de crepe, e a neve... far-me-á dó,?Mais a farinha do moleiro e a violeta,?E a lua para mim será como uma preta!
Mas em que sitio, aonde? aonde? é que me espera?Esta Torre, esta Lua, esta Chymera??Fui ter com minha fada e disse-lhe: ?Madrinha!?Onde haverá na Terra assim uma Rainha???E a minha fada, com sua vara de encantar,?Um reino me apontou, lá baixo, ao pé do mar...
Meninas, lindas meninas!?Qual de vós é o meu ideal??Meninas, lindas meninas?Do Reino de Portugal!
E no dia do meu recebimento!?Manh? cedo, com luar ainda no firmamento,?Quando ainda no céu n?o bole uma aza,?A minha Noiva sairá de caza?Mail-a sua m?e, mail-os seus irm?os.?E ha-de sorrir, e h?o-de tremer-lhe as m?os...?E a sua ama ha-de seguil-a até á porta,?E ficará, coitada! como morta!?E ha-de ser triste vel-a, ao longe, ainda... olhando,?Com o avental seus olhos enxugando...?E h?o-de cercal-a sete madrinhas,?Que h?o-de ser sete virgens pobrezinhas,?Todas contentes por estreiar vestido novo!?E, ao vel-as, suas m?es sorrir?o d'entre o povo...?E o povo da freguezia?Esperará mais eu, no adro de Santa Iria.?E h?o-de mirar-me com seu ar curiozo,?E h?o-de cercar-me, n'um silencio respeitozo.?E eu hei-de lhes fallar das colheitas, da chuva,?E dir-me-?o que ?já vae pintando a uva...??E animados ent?o (o povo é uma crian?a!)?Porque o Sr. Morgado deu-lhes confian?a,??Que Deus o ajude? dirá um, e o regedor:??Que seja mui feliz, Sr. Doutor...??E eu hei-de agradecer, sorrir, gostar.?Mas o Anjo, no entanto, n?o deve tardar...?E d'entre o grupo exclamará um velho, ent?o:??Já nasce o dia!? eu olharei... mas n?o:?é a minha Noiva que parece dia,?Branquinha como a cal de Santa Iria!?E ao vel-a t?o branca, de branco vestida,?Ao longe, ao longe, hei-de cuidar ver uma Ermida!?E dirá o pastor, com espanto tamanho,?Que é uma Ovelha que fugiu do seu rebanho!?E o Jo?o Maluco dirá que é o Luar de Janeiro!?E o pescador explicará ao bom moleiro?Que é tal qualzinha a sua Lancha pelo mar!?E o moleiro dirá que é o seu Moinho a andar!?Que assim já foram as velhinhas scismar?o,?E as netas, coitadas! que, um dia, o ser?o...?Mas o Anjo assomará, á porta da capella,?E eu branco e tremulo hei-de ir ter com ella.?E a estrella deitar-me-á a ben??o dos seus olhos?E uma alde? deitar-lhe-á violetas, aos molhos!?E a Bem-Amada entrar na igreja ha-de...?E ha-de cazar-nos o Sr. Abbade.?E, em seguida, será
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