apparente; no fundo n?o �� mais do que um paganismo intellectuel e requintado. Ora eu debatia-me desesperadamente, sem poder sahir do naturalismo, dentro do qual nascera para a intelligencia e me desenvolvera. Era a minha atmosphera, e todavia sentia-me asphixiar dentro d'ella. O Naturalismo, na sua f��rma empirica e scientifica, �� o _struggle for life_, o horror de uma lucta universal no meio da cegueira universal; na sua f��rma transcendente �� uma dialetica gelada e inerte, ou um epicurismo egoistamente contemplativo. Eram estas as consequencias que eu via sahir da doutrina com que me creara, da minha _alma mater_, agora que a interrogava com a seriedade e a energia de quem, antes de morrer, quer ao menos saber para que veiu ao mundo.
A reac??o for?as moraes e um novo esfor?o do pensamento salvaram-me do desespero. Ao mesmo tempo que percebia que a voz da consciencia moral n?o pode ser a unica voz sem significa??o no meio das vozes innumeras do Universo, refundindo a minha educa??o philosophica, achava, quer nas doutrinas, quer na historia, a confirma??o d'este ponto de vista. Voltei a ler muito os philosophos, Hartmann, Lange, Du Bois-Raymond e, indo ��s origens do pensammento allem?o, Leibnitz e Kant. Li ainda mais os moralistas e mysticos antigos e modernos, entre todos a _Theologia Germanica_ e os livros buddhistas. Achei que o mysticismo, sendo o desenvolvimento psychologico, deve corresponder, a n?o ser a consciencia humana extravagancia no meio do Universo, �� essencia mais funda das cousas.
O naturalismo appareceu-me, n?o j�� como a explica??o ultima das coisas, mas apenas como o systema exterior, a lei das apparencias e a phenomenologia do S��r. No _Psychismo_, isto ��, no Bem e na Liberdade moral, �� que encontrei a explica??o ultima e verdadeira de tudo, n?o s�� do homem moral mas de toda a natureza, ainda nos seus momentos physicos elementares. A _monadologia_ de Leibnitz, convenientemente reformada, presta-se perfeitamente a esta interpreta??o do mundo, ao mesmo tempo naturalista e espiritualista. O espirito �� que �� o typo da realidade: a natureza n?o �� mais do que uma longiqua imita??o, um vago arremedo, um symbolo obscuro e imperfeito do espirito. O Universo tem pois como lei suprema o bem, essencia do espirito. A liberdade, em despeito do determinismo inflexivel da natureza, n?o �� uma palavra v?: ella �� possivel e realiza-se na santidade. Para o santo, o mundo cessou de ser um carcere: elle �� pelo contrario o senhor do mundo, porque �� o seu supremo interprete. S�� por elle �� que o Universo sabe para que existe: s�� elle realiza o fim do Universo.
Estes pensamentos e muitos outros, mas concatenados systematicamente, formam o que eu chamarei, embora ambiciosamente, a minha philosophia. O meu amigo Oliveira Martins apresentou-me como um buddhista. Ha, com effeito, muita coisa commum entre as minhas doutrinas e o Buddhismo, mas creio que ha n'ellas mais alguma coisa do que isso. Parece-me que �� esta a tendencia do espirito moderno que, dada a sua direc??o e os seus pontos de partida, n?o pode sair do naturalismo, cada vez em maior estado de banca rota, sen?o por esta porta do psychodynamismo ou panpsychismo. Creio que �� este o ponto nodal e o centro de attrac??o da grande nebulose do pensamento moderno, em via de condensa??o. Por toda a parte, mas sobretudo na Allemanha, encontram-se claros symptomas d'esta tendencia. O occidente produzir�� pois, por seu turno, o seu Buddhismo, a sua doutrina mystica definitiva, mas com mais solidos alicerces e, por todos os lados, em melhores condi??es do que o Oriente.
N?o sei se poderei realizar, como tenho desejo, a exposi??o dogmatica das minhas id��as philosophicas. Quizera concentrar n'essa obra suprema toda a actividade dos annos que me restam a viver. Desconfio, por��m, que n?o o conseguirei; a doen?a que me ataca os centros nervosos, n?o me permitte esfor?o t?o grande e t?o aturado como f?ra indispensavel para levar a cabo t?o grande empreza. Morrerei, por��m, com a satisfa??o de ter entrevisto a direc??o definitiva do pensamento europeu, o Norte para onde se inclina a divina bussola do espirito humano. Morrerei tambem, depois de uma vida moralmente t?o agitada e dolorosa, na placidez de pensamentos t?o irm?os das mais intimas aspira??es da alma humana e, como diziam os antigos, na paz do Senhor!--Assim o espero.
Os ultimos 21 Sonetos do meu livrinho d?o um reflexo d'esta phase final do meu espirito e representam symbolica e sentimentalmente as minhas actuaes id��as sobre o mundo e a vida humana. �� bem pouco para t?o vasto assumpto, mas n?o estava na minha m?o fazer mais, nem melhor. Fazer versos foi sempre em mim cousa perfeitamente involuntaria; pelo menos ganhei com isso fazel-os sempre perfeitamente sinceros. Estimo este livrinho dos _Sonetos_ por acompanhar, como a nota??o de um diario intimo e sem mais preoccupa??es do que a exactid?o das notas
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