Raios de extincta luz | Page 6

Antero de Quental
publiquei n'um pequeno volume, uma serie de estudos com o titulo de _Considera??es sobre a Philosophia da Historia litteraria portugueza_. Creio que é, ainda assim, o que fiz de melhor, ou pelo menos, de mais razoavel em prosa. Confesso sinceramente que dou muita pouca importancia a todos esses meus escriptosinhos de occasi?o, e até, ás vezes, preciso de certa for?a de reflex?o para me n?o envergonhar de ter publicado tanta cousa pouco pensada. E todavia era applaudido! Porque? Em primeiro logar, creio eu, porque os que me applaudiam n?o pensavam, ainda assim, mais nem melhor do que eu. Em segundo logar, porque me concedeu a natureza o dom da prosa portugueza, n?o da prosa de conven??o, arremedando o estylo dos seculos XVI e XVII mas de uma prosa que tem o seu typo na lingua viva e falada hoje, analytica já nos movimentos da phrase, mas na linguagem ainda e sempre portugueza. Isso agradou, porque era o que convinha e, em summa, acabei por ser citado como modelo da prosa moderna! é certo porém que tudo aquillo s?o escriptinhos de accasi?o e que, em prosa, n?o produzi ainda o que se chama _uma obra_, isto é, uma cousa original, pessoal e aprofundada. Ha muito tempo que sei escrever, mas foi necessario chegar aos 45 annos para ter que escrever. Por isso, deixemos toda essa farragem que n?o cito sen?o para corresponder ao desejo de v. ex.^a na materia bibliographica. E passemos aos versos.
Além da collec??o de sonetos que v. ex.^a conhece, publiquei ainda mais dois volumes. Um, de 1872, com o titulo de _Primaveras Romanticas_ contêm os meus _Juvenilia_, as poesias de amor e phantasia, compostas na sua quasi totalidade, entre 1860 e 65, que andavam dispersas por varias publica??es periodicas, e que só em 72 reuni em volume, juntamente com mais alguma cousa posterior, do mesmo caracter e estylo. Talvez a melhor maneira de caracterisar esse volume será dizer em francez que é _du Heine de deuxième qualité_. Como muitas pessoas, por cá, têm achado essa semelhan?a, por isso a indico. A 2.^a sec??o dos _Sonetos completos_ que n?o contêm sen?o composi??es d'esse periodo dará a v. ex.^a uma idéa sufficiente do fundo e do estylo d'aquella poesia; assim como a 3.^a sec??o lhe dará idéa das _Odes modernas_, cuja 1.^a edi??o appareceu em 1865. N?o sei bem como caracterisar este livro: n?o é certamente mediocre; ha n'elle paix?o sincera e eleva??o de pensamento; mas além de declamatoria e abstracta, por vezes aquella poesia é indistincta, e n?o define bem e typicamente o estado de espirito que a produziu. O que ella representa perfeitamente é a singular allian?a, a que atraz me referi já, do naturalismo hegeliano e do humanitarismo radical francez. Acima de tudo é, como dizem os francezes, _poesia de combate_: o pamphletario divisa-se muitas vezes por detraz do poeta, e a egreja, a monarchia, os grandes do mundo, s?o o alvo das suas apostrophes de nivelador idealista. N'outras composi??es, é verdade, o tom é mais calmo e patenteia-se n'ellas a inten??o philosophica do livro, vaga sim, mas humana e elevada. A novidade, o arrojo, talvez a mesma indetermina??o do pensamento, apenas vagamente idealista e humanitaria, fizeram a fortuna do livro, junto da gera??o nova, o que prova pelo menos que _veiu no seu momento_: é tudo quanto poderei dizer. Correspondem a este cyclo os sonetos comprehendidos na 3.^a sec??o dos _Sonetos completos_, muitos dos quaes já entraram nas _Odes modernas_. Em 1874 teve este livro uma 2.^a edi??o muito correcta e contendo varias composi??es novas que considero, tal como é e com todos os defeitos inherente á propria essencia do genero, como definitiva.
N'esse mesmo anno de 1874 adoeci gravissimamente, com uma doen?a nervosa de que nunca mais pude restabelecer-me completamente. A for?ada inac??o, a perspectiva da morte visinha, a ruina de muitos projectos ambiciosos e uma certa acuidade de sentimentos, propria da nevrose, puzeram-me novamente e mais imperiosamente do que nunca, em face do grande problema da existencia. A minha antiga vida pareceu-me v? e a existencia em geral incomprehensivel. Da lucta que ent?o combati, durante ou 5 ou 6 annos, com o meu proprio pensamento o meu proprio sentimento que me arrastavam para um pessimismo vacuo e para o desespero, d?o testemunha, além de muitas poesias, que depois destrui (subsistindo apenas as que o Oliveira Martins publicou na sua introduc??o aos _Sonetos_) as composi??es que perfazem a sec??o 4.^a (de 1874 a 80) do meu livrinho. Conhece-as v. ex.^a, n?o preciso commental-as. Direi sómente que esta evolu??o de sentimento correspondia a uma evolu??o de pensamento. O naturalismo, ainda o mais elevado e mais harmonico, ainda o de um Goethe ou de um Hegel, n?o tem solu??es verdadeiras, deixa a consciencia suspensa, o sentimento, no que elle tem de mais profundo, por satisfazer. A sua religiosidade
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