Os meus amores | Page 5

Trinidade Coelho
caminhada agora.
Quando o Gon?alo e a Ros��ria entraram na cabana e se deitaram sobre o colmo, cobrindo-se com as mantas, e achegando para a cabe?a um do outro os bornais que faziam de travesseiro, cerrara de todo a noite, e formigueiros de estrelas cintilavam vivezas de prata polida no azul indefinido do c��u.
--E os lobos?--perguntou a Ros��ria com medo.
--N?o h�� perigo--tranquilizou-a o Gon?alo.--Isso �� l�� com os c?es.
* * * * *
Pouco a pouco, foi-se extinguindo no curral a m��sica triste dos chocalhos. A ladrar, os c?es faziam eco. O rebanho devia dormir profundamente, imerso no mesmo sono em que jazia prostrada toda a Natureza, ao largo. Dentro da cabana, os dois conversaram algum tempo, num ciciar brando de vozes, at�� que por fim, vencidos da fadiga, se deixaram adormecer,--quando a hist��ria das moiras encantadas ia no seu melhor epis��dio...
E l�� no alto c��u, mesmo sobre a cabana, a estrela da tarde n?o era nem mais pura nem mais luminosa do que a alma simples e boa daquelas duas crian?as...
Quando ao repontar da manh? se levantaram, e sa��ram a ver o c��u...
--Bonito dia, Gon?alo!
--Bonito dia, Ros��ria! Olha...
...na calma placidez do azul, bandos de pombas mansas iam voando... voando...

SULT?O
(Copiado do Natural)
Ao meu Henrique e a Beldem��nio, seu amigo.
I
Ao cair da tarde, o Tom�� da Eira entrava em casa, cansado, esfalfado de andar um dia inteiro a mourejar no campo.
--Meus pecados, boa tarde!--dizia ele para a mulher, com um sorriso a afectar seriedade.
Vinha logo o pequeno, o Manuel, de m?os postas pedindo-lhe a b��n??o.
--Deus te aben?oe.
--Pai, olhe que o ?Sult?o?... ia a dizer o pequeno.
--Bem sei! atalhava logo o Tom��.--O ?Sult?o? �� um maroto e tu ��s outro.
E enquanto procurava no bolso da jaqueta a sua bela navalha de meia-lua, que lhe custara um pinto havia bons quinze anos, e abria a gaveta do p?o, o Tom�� punha-se a fazer de interesseiro consigo mesmo, resmungando alto p'ra que a mulher o ouvisse:
--�� que por este caminho n?o tenho um dia descansado... Nem uma hora...
Vinha a mulher com as azeitonas, com o queijo, sem dar palavra.
--...Pois vamos j�� que j�� era tempo... Porque p'ra mim h��-de chegar... A modos que vou j�� cansando...
Mas o Tom�� n?o era homem que dissesse estas coisas de cora??o. Pareciam-lhe longos, intermin��veis, os aborrecidos Domingos que passava sem ir campos fora, madrugador como um melro.
--Uma aquela como outra qualquer! dizia o bom do Tom�� encolhendo os ombros, como quem est�� desgostoso com um g��nio assim.
Partiu uma ampla fatia, um naco de queijo muito branco, do leite da sua cabrada, e veio sentar-se, consolado, ao fundo da larga escada de pedra que dava para a rua, arrega?ado, em mangas de camisa, muito �� vontade.
Costume velho do Tom��:--mal se sentava, mastigando o ?bocado?, dizia logo para o filho:
--Ouves, Manuel? Bota c�� fora o ?Sult?o?.
O rapazito corria o caravelho de uma pequena porta lateral, que rangia nos gonzos ao impulso dos seus bracitos roli?os, e punha-se a pular de contente, dizendo c�� da rua:
--?Sult?o?! Sai c�� p'ra fora, ?Sult?o?!
No fundo negro do pequeno cortelho, na moldura rectangular da porta baixa, destacava-se ent?o a cabecita parda de um jumento, orelhas em riste, grandes olhos de uma tristeza perp��tua, num movimento moroso de p��lpebras pestanudas...
E ali se quedava parado, absorto, muito bem posto nas suas pequeninas pernas delgadas, a olhar o Tom�� que o chamava,--um grande riso de alegria nas fei??es amorenadas, contente de ver o seu ?Sult?o?.
Mas o pequeno jumento n?o avan?ava um passo, divertindo-se em arreliar o Tom��, fitando-o com um ar estagnado. Altivo na sua nobre linha de quadr��pede de boa ra?a, algu��m lhe poderia ler no olhar, mole e impass��vel, o frio, gelado desprezo a que parecia votar o dono...
Mas era ��quilo mesmo que o bom do lavrador achava gra?a. E punha-se ent?o a falar muito s��rio, entre resignado e cort��s, para o pequeno e desdenhoso jumento--o p?o e o queijo esquecidos numa das m?os, na outra a navalha de meia-lua:
--Ent?o, ?Sult?o?, n?o vens?
--N?o! parecia responder-lhe o animal. E abstracto, continuava a envolv��-lo no seu olhar profundo. A quebrar a harmonia daquela imobilidade de est��tua, apenas de quando em quando uma pequenina patada na soleira, zap!
--Zangado, ?Sult?o?? perguntava o lavrador.--De mal comigo?
E prestes voltava a cara para a outra banda, para se rir �� vontade...--que n?o fosse v��-lo o ?Sult?o?... Metia entre dentes um pedacito de queijo, logo uma c?dea de p?o, e fazendo umas grandes rugas na testa, de quem come?a a zangar-se, voltava-se ent?o muito s��rio:
--Ficas a��, ?Sult?o?? J�� n?o ��s meu amigo?
O jerico abatia um pouco as orelhas, inclinava o pesco?o, parece que fazendo-se humilde...
--Ent?o se ��s, anda da��. Olha...--E mostrava um pedacito de p?o.--P'ra ti se vieres...
O ?Sult?o? dava tr��s passos, e ficava fora do cortelho. E por se vingar, o Tom�� carregava o semblante numa seriedade muito pesada, e erguendo o rosto iracundo chamava-lhe
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