Intriga.
A Intriga �� essa mulher que ao cisne que descreve
Um sulco encantador?No lago, branco e leve,?Tenta com mancha escura enodoar-lhe a c?r,
E transformada em neve?�� a geada que queima a delicada fl?r.
Leonor endoideceu, ent?o, cheia de magua,?Na janella, a sonhar... a cantar... a chorar...?E vinham-lhe ao olhar per'las de sangue e d'agua?Quando ouvia na torre os sinos a tocar.
E empalidecia a incomparavel face,
Essa ideal belleza,?Como uma ave azul que se afogasse?Em ondas de loucura e de tristeza.
Dizia ent?o:
?L�� v?o nos coches os casados,?Cheios de luz na fronte e resplendente o olhar...?Vejo-os... Vejo-os unir os labios orvalhados,?Como lindos rubis, mimosas per'las
Num unico colar!?Virgem, tu que sofreste a tragica Paix?o,
Com os peitos golpeados,?Tirae-me o cora??o,?Arrancai-m'o aos bocados!?Viste o heroico Jesus, o Propheta incan?avel?Nos bra?os d'uma Cruz, Olimpica Rainha,?E apesar d'essa d?r enorme e incomparavel?N?o sei qual foi maior, se a tua d?r, se a minha!?Perdi o noivo! e eu quiz que nunca mais bradasses?Na tua bronzea voz! �� Sino, que irris?o!?P'ra que os Sinos ouvir, a annunciar enlaces,
Se para mim n?o tocam...?Nem nunca tocar?o!?
Tinha acabado a doida de fallar,?Doida gentil de olhos azues e vagos,?Tendo na fixidez macia do olhar?A immobilidade terna e mistica dos lagos.
E os sinos do mosteiro, alem, fortes, vibrantes,?Espalhavam no ar notas bruscas, ligeiras,?Claras como cristaes, vivas como diamantes,?E como o desfraldar de sonoras bandeiras.
Tudo se agita em espanto e a villa inteira corre,?Os homens, as mulheres, os r?tos pequeninos?Ao sentirem cair, cristalina, da torre,?A chuva torrencial do repique dos sinos.
Leonor ouvia, ouvia, a chorar e a tremer,?Aqu��les sons joviaes dos sinos a tocar.?Era a primeira vez que alegres os viu ser,?E era a primeira vez que os ouvia a chorar!
E emquanto o sino ria esses risos saudaveis?Das crean?as gentis, dos anjos pequeninos,?A agua viu cair dos olhos adoraveis?Na alacridade vaga e mistica dos sinos.
De repente, saiu da igreja uma donzella,?Vestida a seda azul, numa expans?o inteira,?E Leonor estendia o corpo na janella,?Ao ver-lhe no cab��lo a fl?r de laranjeira.
E era uma mulher que deixava confusas?Todas as aten??es, em muda admira??o,?Tinha o cab��lo negro e a c?r das andaluzas,?Tinha no olhar do Sonho a magica atrac??o.
Do seu corpo harmonioso, elastico, flexivel,?Emanava uma essencia etherea, imponderavel,?Como emana, em fragor penetrante, invencivel,?Um perfume subtil d'uma seda impalpavel:
Tinha a ardente magia?--Das sereias gentis da Andaluzia,--
Que t��m gestos sublimes,?E meneios risonhos?Tinha a flexibilidade elastica dos vimes
E a estrutura di��fana dos sonhos.
Nos grandes olhos doces,?Lindos como dois c��us, negros como dois crimes,
Relampejantes, humidos, quebrados,?Guadalquivires dormentes, socegados,
Vastos como horisontes,?Tinha da Andaluzia a Alhambra, os eirados,
Os famosos jardins embalsamados,?Onde amavam mulheres e murmuravam fontes.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Depois saiu o noivo, e �� Crueldade ignara,?Irradi��ra a raz?o nos olhos de Leonor,?E a grande fl?r divina, a fl?r mimosa e rara?Reconheceu no noivo o seu primeiro amor.
Caminhavam os dois, gloriosos, triunfaes,?Rodeados d'uma aureola etherea, luminosa,?Entre os alegres sons dos sinos festivaes,?Numa expans?o d'amor profunda e victoriosa.
Pelo bra?o um do outro, altivos, orgulhosos,?Iam cheios de gloria e cheios de esplendores,?Inundava-os o sol em beijos luminosos?E as crean?as, sorrindo, atiravam-lhes fl?res.
E no tragico assombro, a triste doida ent?o,?A pobre bella e Santa, a timida Leonor,?Sentiu despeda?ar-se o terno cora??o?No convulso derruir titanico da D?r.
No olhar lhe fusilou uma colera santa,?Recup'r��ra a Raz?o para perder a Vida,?Saiu-lhe uma blasfemia ardente da garganta,?Cambaleou afinal, como se fosse ferida,
Deu tres ou quatro passos,?Estendeu em convuls?es galvanicas os bra?os,
E abrindo, sufocada, a baixa porta,
Sem um ai nem um beijo,?Veiu cair exanime, j�� morta,
No meio do cortejo.
Ouviram-se ent?o sons plangentes e divinos?De dobres, de sinaes de luto e de viuvez.?Era a toada melancolica dos sinos?Por Leonor a tocar pela primeira vez.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Quantas de v��s tambem, lindas crean?as,?Que architectaes angelicas esperan?as
No vosso cora??o,?N?o ides perfumar as sepulturas,?Co'as frontes virginaes, as f��rmas puras,?No pequenino leito d'um caix?o!
Pensai: quantas de v��s ouvis os sinos
Em desejos divinos,?Em ilus?es celestes,?Para num dia puro, luminoso,
Cingindo as alvas vestes,?Serdes levadas pelos sons dos sinos?Para os canteiros d'um jardim frondoso
De rosas e cyprestes!
E v��s ides, extaticas, inermes,?Contrahir os fun��reos esponsaes: ...?Sugar-vos-h?o o peito os frios vermes,?Ter?o comvosco amores os vegetaes.
End of the Project Gutenberg EBook of Os Sinos, by Raul Proen?a
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