Os Bravos do Mindello | Page 9

Faustina da Fonseca
agora n?o graceje, e diga-me s��: Gostava de ir para Lisboa?
Abrangeu n'um olhar a casa, o campo, a vida que levava enclausurada, e respondeu:
--Isso gostava.
Retorquiu Jo?o em voz estrangulada:
--N?o se importava ent?o de me deixar?
Irritada pelo interrogatorio, Maria exclamou, sem o fitar:
--Que pergunta essa!
Elle approximou-se, muito commovido:
--Era uma separa??o para sempre! para sempre!
--Sim, talvez!
E d'olhos no ch?o encarava agora as consequencias.
Vendo-a impressionada, Jo?o aqueceu:
--E n?o levava pena nenhuma?
N'um repente de sinceridade, Maria accudiu ingenuamente:
--De me separar de ti, sim.
--Mas n?o tinha ainda pensado em mim!--queixou-se elle, muito sentido.
--Realmente ainda n?o pens��ra.
Come?ava a sentir-se compromettida, olhava em torno a procurar os primos.
Jo?o deixara-se arrastar pela arrebatadora emo??o d'esse momento tanta vez sonhado, e tanta vez crido impossivel:
--�� porque nunca me quiz bem!
Ella via embaciarem-se-lhe os olhos, tremerem-lhe os labios.
Desculpou-se para n?o o affligir mais:
--Como querias que pensasse em ti, se isto tem sido uma coisa no ar?
--Mas est?o preparados para o embarque...
--�� certo que o pae anda com isso ha muito. Mas elle faz e diz tantas coisas sem fundamento, que eu nunca o tive por decidido.
--Nem mesmo o casamento?
--N?o pensei a serio em coisa alguma.
E n'um arremesso de crean?a que os mimos tornaram voluntariosa:
--Mesmo isso do casamento com o primo ha de ser se me agradar.
Jo?o estremeceu, desiludido:
--Ah! Ent?o ainda �� possivel?
--S�� Deus o sabe. Mas se n?o sympathisar com elle, n?o ha for?as humanas que me obriguem.
--Quer dizer que ainda p��de vir a agradar-se?
--Quem sabe!
Cria-o ent?o possivel? �� que nunca sentira por elle nenhuma affei??o? E a custo Jo?o comprimiu um solu?o, que n?o lhe passou despercebido.
--Que tens tu?
Bailando-lhe lagrimas nas pestanas, desabafou:
--Ando como um doido! Perco as noites a pensar que n?o nos tornamos mais a v��r. Toda a minha vida hei de chorar esta casa...
--Coitado! Faz-te falta o que o pae te d�� a ganhar.
Magoou-o a aprecia??o. Pois n?o presentia n'elle outro sentimento? N?o interpret��ra nunca o verdadeiro culto que lhe votava, olhando-a absorto, como ��s imagens.
Pensou ainda em manter-se incomprehendido, em calar essa revela??o. Vinha muito tarde! N?o o comprehendera em dois annos de intimidade, n?o ia agora corresponder-lhe de repente. Mas revoltou-o v��r accentuada a situa??o de dependente.
--N?o ia ali por interesse--protestou.--Os seus deixaram-lhe alguma coisa. Tinha com qu��. Era s�� por ella, para estar ao seu lado, que acceitava o sacrificio do escriptorio.
Impressionou-a a paix?o com que falava.
Ainda em tom de gracejo, mas com a voz um tanto abafada, disse sem o fitar:
--Querem ver que te deu para me namorares?
Ficou olhando para a areia vermelha. E como elle permanecesse calado, insistiu, evitando-o sempre:
--N?o respondes?
--Fica zangada commigo?--perguntou a medo.
--N?o.
--Isso �� que fica.
Ella virou-se de repente, e fitou-o com franqueza:
--Zangada porqu��?
Intimidou-o essa express?o, que n?o comprehendia; mas era tarde para recuar. Muito envergonhado, rendeu-se:
--Pois �� verdade.
Maria ergueu-se n'um riso for?ado:
--Tu, namorado de mim? Tu, meu fedelho! Ora! N?o sabes o que dizes.
Ia afastar-se, mas Jo?o supplicou:
--J�� que me n?o ama, diga ao menos que me perd?a!
--Tens medo? Descan?a, n?o fa?o queixa ao pae?
--N?o se ria de mim, quero-lhe muito, muito!--solu?ou elle.--E quando soube que a pretendiam casar em Lisboa, chorei de desespero, porque me costum��ra a pensar que havia de ser minha mulher.
Ella encarou-o, franzindo as sobrancelhas, como irritada pelo atrevimento do plebeu, do insignificante, irrespeitoso para com o idolo que para todos julgava ser.
--Est��s brincando! �� l�� possivel!
Elle enxugou as lagrimas, conteve se:
--Sinto-o agora, pelo desdem com que me trata.
--�� uma creancice.
--Sim. Mas que me perdeu para sempre.
Irritada procurou convencel-o:
--Pois tu n?o v��s que o pae nem quer que eu fale com o primo Antonio, nem com o primo Sebasti?o desde que se lhes metteu em cabe?a pretenderem-me, porque s?o pobres? E que ��s tu ao p�� d'elles, quasi t?o fidalgos como n��s? O que diria o pae se soubesse d'isto!
--E a menina que diz?
--Que digo? N?o me est��s ouvindo?
--Se me estima.
--Bem sabes que sim.
--Muito?
--V�� l�� se me entretenho com mais alguem do que comtigo e com a prima Josepha da Esperan?a.
--E agora, depois do que lhe disse?
Animava-se momentaneamente, olhava-a transportado, n'um lampejo de esperan?a.
Ella sorriu, bondosa, infantil:
--J�� me viste por ventura algum namorado? Todas as raparigas os t��m, aos dois e aos tres, e eu nunca achei gra?a a essas tolices. S?o brincadeiras estupidas. Mas se gostasse de um homem, muito c�� de dentro...
Transfigurou-se, dominou-a uma express?o de alegria, mas conteve-se e exclamou abruptamente:
--Olha, falemos de outra coisa.
Comprehendeu que era preciso acabar:
--Vejo que n?o quer saber de mim.
--��s doido. Ent?o n?o temos sido t?o amigos?
--Oh! Como eu esperava ... n?o!
--Sabes que mais? ��s um doido, �� o que te digo!
E afastou-se com mau modo.
--Um momento, senhora D. Maria, esque?a esta falta de respeito, antes que me retire para nunca mais voltar.
--O qu��? N?o est��s bom de cabe?a rapaz. Ent?o �� que o pae desconfia. E o que ser��s tu nas suas m?os, meu franganito!
--Virei despedir-me com qualquer pretexto ... e nunca mais me tornar��
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