a que se oponhão aos meos designios. Nem me satisfaz,
senhora, esse amor que me offereces, calmo e sem receios. Quem mais
me teme e melhor me obedece, sabe-o, é quem mais me ama.
POPPÉA.
O receio de perder-te tornou-me por demais ousada. Mas, que maior
mal me poderás fazer do que privar-me do teu amor? Ah! tira-me antes
a vida; menor será meu soffrimento.
NÉRO.
Basta, Poppéa, confia em meu amor, nem receies que se abale a minha
constancia; mas nunca te opponhas á minha vontade. Odeio, mais que
tu mesma, essa mulher a quem chamas de rival. Apenas eu conseguir
separa-la de seus turbulentos amigos, ve-la-has cercada pelos meus
guardas; não terás nella uma rival, mas antes uma vil escrava, e dentro
em pouco, ou eu nada sei da arte de reinar, ou ella propria te dará a
corôa.
ACTO SEGUNDO
* * * * *
SCENA I.
POPPÉA, TIGELLINO.
POPPÉA.
Corremos hoje o mesmo perigo, Tigellino; devemos pois procurar um
mesmo asylo.
TIGELLINO.
O que podes receiar da parte de Octavia?
POPPÉA.
Quanto á belleza nada temo; a rainha sempre prevalecerá aos olhos de
Néro; temo, sim, o seu fingido amor, a sua dissimulada meiguice; temo
os ardis e a eloquencia de Seneca, a grita da plebe e o remorso do
proprio Néro.
TIGELLINO.
Ama-te elle ha tanto tempo e ainda não o conheces? Elle só sente
remorsos de não ter feito maiores males. Fica certa de que, se chama
Octavia a Roma, é só com o fim de tirar della completa vingança.
Deixa-me despertar-lhe o odio innato e profundo que em seu coração se
une ao rancor que vota á esposa. É este o asylo que devemos buscar
ante o perigo que corremos.
POPPÉA.
Estás tranquillo, eu, porém, não me julgo segura, mas a franqueza com
que fallas convida-me á franqueza. Bem conheço Néro, bem sei que
nelle o remorso nada póde; mas o medo, dize, não tem grande
influencia sobre seu espirito? Quem não o vio tremulo junto da mãi que
odiava? Amava-me elle já então loucamente e no entanto ousou
porventura dar-me a mão de esposo emquanto ella foi viva? Não
bastava a presença silenciosa de Burrho para o fazer tremer! Enfim o
proprio Seneca, sem poder e sem influencia, não o intimida ás vezes
com suas palavras vãs? São estes os unicos remorsos de que o julgo
capaz. Ajunta a isso as murmurações e as ameaças dos romanos...
TIGELLINO.
Tudo isto só servirá para arrastar Octavia ao laço onde já cahirão,
Agrippina, Burrho e tantos outros. Se desejas a morte de tua rival,
deixa que novo terror augmente no corarão de Néro o medo antigo. Elle
ainda não manifestou todo o sou pensamento, mas eu sei que nada ha
que tanto o domine como a sua pusilanimidade. Roma, pedindo o
regresso de Octavia, pronunciou a sentença de morte da propria
Octavia.
POPPÉA.
É certo; mas, se ella conseguir reconquistar por um momento só a
antiga influencia...
TIGELLINO.
Não, não o receies; Octavia não conhece o caminho que vai ter ao
coração de Néro; sua virtude austera irrita o espirito do esposo; sua
obediencia, seu amor, sua timidez desagradão-lhe igualmente; Néro
detesta em Octavia todos estes meios de seducção que a nós tanto
approveitão. Falla, o que deverei fazer?
POPPÉA.
Emprega toda a tua perspicacia em saber o que se passa e todo o zelo
em dizer-m'o; cumpre prever tudo; tornar Octavia ainda mais
desprezivel; descobrir mil meios de perdê-la e lembra-los a Néro;
inventar crimes de que ella nem sequer tenha idéa; desinvolver toda a
astucia de que és capaz; ir, vir, occupar o espirito do imperador,
engana-lo, cega-lo e estar sempre alerta. Eis aqui o que te cumpre fazer.
TIGELLINO.
Assim o farei, mas creio que os projectos de Néro já estão assentados.
Fica certa de que elle não precisa de lições para exercer vinganças e
bem sabes que lhe exacerba a colera quem quer mostrar que sabe tanto
como elle.
POPPÉA.
Tudo o irrita, bem o sei; ainda ha pouco o excesso de meu amor
excitou-lhe o furor; já não era o amante quem fallava, mas sim o feroz
senhor que ordenava do alto do throno.
TIGELLINO.
Não o provoques jámais. Tens grande influencia sobre seu coração;
mas a colera impetuosa, a embriaguez do poder e a sede feroz de
vingança dominão no mais facilmente do que o faz o amor. Afasta-te
daqui, é esta a hora em que elle tem por costume vir fallar-me; confia
em mim.
POPPÉA.
Juro-te, que, se me servires agora, ninguem terá, mais do que tu, poder
e influencia junto de Néro.
SCENA II.
TIGELLINO
É verdade que se Octavia triumphasse, a nossa desgraça seria certa;
mas eu gozo da confiança de Néro. Seu odio é tão feroz e a innocencia
de Octavia tão completa, que
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