Miniaturas Romanticas | Page 9

Sebastião de Magalhães Lima
meu lado, e assista comigo ao mais pavoroso de todos os espectaculos que s�� a natureza nos sabe prodigalisar, e que a maioria dos homens, no meio de seu estupido orgulho, olham indifferentes.
Travada, assim, a intimidade entre estes dois cora??es, que �� primeira vista pareciam entender-se bem; facil lhe foi, a Alberto de Carvalhal, que Francisco de Castro lhe narrasse circumstanciadamente os tristes episodios de alguns dos seus dias passados.
Com este alvitre pois, enla?ados pela mutua sympathia, aquelles dois amigos encaminharam-se para casa, onde, depois de terem almo?ado jubilosamente, Francisco de Castro, coadjuvado pelo attencioso ardor do seu companheiro, encetou o drama da sua vida com as palavras, que v?o ler-se no seguinte capitulo.
III
?Foi por uma tarde serena de abril. Eu, crian?a ainda, dos meus 13 annos, divagava, triste e solitario pela margem graciosa do meu limpido Vouga, contemplando aquelle espectaculo de mystico enlevo, aquella hora de profundos arr?bos e de gostosa melancholia, em que o Creador mais parece fallar directamente ao cora??o do homem,--quando, inopinadamente, me pareceu ouvir, a poucos passos do logar onde me encontrara, o estalido rapido e secco d'um instrumento metallico. Em poucos minutos galguei um comoro, que me separava d'aquelle sitio desastroso, encontrando-me face a face com dois personagens, que, muito intencionalmente, tinham escolhido o silencio d'aquella hora para ali virem bater-se n'um duello de morte. Quiz dissuadil-os de similhante proposito: nada consegui.
?Travou-se uma lucta feroz, e, dentro de pouco tempo, um dos adversarios jazia por terra, coberto de p��, e revolvendo-se cruelmente no sangue de suas proprias feridas. Ainda experimentei, uma e muitas vezes, levantar o moribundo, e conduzil-o �� primeira guarida, que se me deparasse opportunamente. Tudo foi baldado, por��m.
?O outro adversario, apenas viu o contendor prostrado, e sem for?as, abandonou o campo, e fugiu. Que fazer, em tal conjunctura? Eu, s��, ali, sem uma pessoa unica, que podesse velar por elle. nem sequer uma gotta d'agua para o refrigerar momentaneamente!!
?Felizmente, meia hora n?o era passada, quando, ao clamor da minha voz, accorreu ��quelle logar um trabalhador, que, casualmente, se recolhia a casa. Em poucas palavras, contei-lhe o succedido, convidando-o a que velasse pelo ferido, emquanto eu, a?odado, correria �� cidade a dar parte do acontecido.
?E assim foi com effeito. Dei-me pressa em correr �� visinha povoa??o. Em vinte minutos estava de volta com dois valentes companheiros para logo o conduzirmos a um logar seguro, como a urgencia do caso nol-o ordenava.
?Sem saber, por��m, o nome do individuo, nem t?o pouco a sua procedencia, julguei prudente entregal-o ao cuidado d'um desgra?ado, mas honrado agricultor, que, de bom grado, o acolheu no seio de sua familia, dispensando-lhe todo o desvelo e sollicitude, que s��e sempre encontrar-se no tugurio do pobre.
?O ferimento n?o f?ra mortal. O cirurgi?o assistente, apenas decorrido o primeiro mez, para logo o declarara livre de perigo, concedendo-lhe egualmente a liberdade de dar alguns passeios pelos campos e devezas mais proximas, com o intuito de tornar mais rapida a sua convalescen?a.
?Pouco tempo depois, instaurou-se um processo para proceder a uma averigua??o rigorosa sobre aquelle facto lamentavel. No dia aprazado para esse fim fui obrigado a comparecer na audiencia, como testemunha ocular, que, infelizmente, houvera sido.
?E fui pontual, n'esse dia, apparecendo, sem difficuldade no tribunal, onde pouco depois teria de julgar-se um crime de ha muito reprovado pela moral, e pelo direito. Estava impolluta a minha consciencia, n?o me arguindo de cousa alguma, a n?o ser o ter eu envidado todos os meus esfor?os, posto que inuteis, para salvar um desgra?ado.
?Por isso, quando me chegou a vez de fallar, contei singela e lealmente o que me f?ra licito v��r e presenciar. O juiz figur��ra-se-me satisfeito com o meu depoimento. A minha m�� sina, por��m, j�� ent?o me come?ava a perseguir.
?Ap��s alguns momentos de silencio, e geral expecta??o, o r��u come?ou a narrar circumstanciadamente tudo o que lhe houvera succedido; vindo eu, finalmente, ao conhecimento de que elle era um mancebo natural de Lisboa, descendente de preclara stirpe, a quem uma paix?o violenta, e uma rivalidade sem limites haviam arruinado physica e moralmente.
?Estavam as cousas neste ponto, quando seus olhos, por acaso, se fixaram na minha humilde pessoa. Parecera-me encontrar n'aquelle olhar o quer que era de satanico e sinistro, que me horrorisou at�� �� medulla dos ossos. E, de feito, n?o me illudi.
?Alguns instantes depois, aquelle individuo, para quem eu f?ra o anjo custodio n'um momento de suprema desventura, apontava-me ao publico como um dos principaes cumplices n'aquelle crime; e asseverando at�� abertamente ter sido o meu desejo immediato o assassinal-o para lhe roubar o pouco que comsigo trouxera, se, por ventura, um transeunte n?o tivesse ido em seu auxilio, arrancando-o ��s minhas m?os.
?D'esta vez a minha indigna??o tocou o seu zenith. Os olhos chispavam-me fogo; o cora??o, afogueado em cholera, batia-me apressado e violento. Quiz fallar, mas n?o pude. A voz prendera-se-me
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