Miniaturas Romanticas | Page 3

Sebastião de Magalhães Lima
commo??o, sentida simultaneamente por aquella familia, vendo junto de si o sobrinho que que ha muito julgava perdido.
Mauricio tinha chegado naquelle dia de Paris, onde, a grandes e penosos sacrificios, f?ra buscar uma solida instruc??o com o unico intuito de realisar a sua felicidade futura, unindo-se a sua prima pelos la?os matrimoniaes. Cursava, ent?o, o terceiro anno de engenharia, e viera passar as ferias a Lisboa.
Leonor, ao ouvir dos saudosos labios de seu primo a narra??o circumstanciada dos motivos, que o levaram a executar t?o heroico projecto, sentiu augmentar-lhe gradualmente aquella paix?o latente, que ha muito ardia em seu peito. Elle, attento ao benevolo acolhimento e fraternal regosijo, que ent?o lhe dispensaram, n?o duvidou em declarar-se a sua candida prima, que o attendeu com meiguice e amor.
Rapido se passou o tempo de ferias. De dia para dia se iam identificando aquelles dois cora??es, que tinham nascido para muito se amarem. E, similhante a um grande rio, j�� n?o haveria dique capaz de lhe vedar o seu correr impetuoso.
O amor verdadeiro e puro �� uma irradia??o do sublime, e como tal uma aspira??o constante para as regi?es do absoluto.
Os esponsaes ficaram tractados, e por elles Mauricio voltaria dentro em dois annos formado, e sobejamente instruido para melhor poder satisfazer as nobres e santas aspira??es de sua prima.
O leitor melhor poder�� imaginar qual n?o seria a violenta agita??o dos dois amantes ao dizerem-se o adeus da despedida. Um drama intimo, impossivel de descrever-se, e que s�� poder�� ser bem apreciado por aquelle que, no decurso da sua vida, se encontrar algum dia em identicas circumstancias.
Por��m o bom senso de Mauricio, e sobretudo a necessidade, que nelle fallava mais alto do que a voz de seu apaixonado cora??o, estimulou-o a prosseguir na vereda t?o briosamente encetada, ainda atrav��s dos maiores obstaculos.
Partiu, levando a saudade gravada no intimo do peito, e a esperan?a a refulgir-lhe por entre as perspectivas d'um risonho porvir.
* * * * *
Ao entrar nesta parte da veridica narrativa, que intentamos esbo?ar, julgamos mais conveniente satisfazer a curiosidade da amavel leitora, transcrevendo para aqui fielmente a limitada correspondencia que se trocou entre Mauricio e sua prima.
�� o que vamos fazer.
CARTA 1.^a
(De Mauricio a Leonor)
Paris, 1860.
?Nem eu sei como relatar-te a minha viagem. Feliz teria ella sido, por certo, se te tivesse visto sempre a meu lado. Mas... n?o digo bem... a tua terna imagem acompanhou-me sempre. Na onda, que pregui?osa ia beijar a fulva areia; na estrella, que �� noite scintillava nos c��us; no espa?o, que infinito se me antolhava; por toda a parte, emfim, meu anjo, a tua melancolica figura vinha sempre afagar a minha tetrica existencia, e contornar uns doces effluvios de amor no meu angustiado espirito.
Oh!... e quem me dera poder hoje abra?ar-te, e depois n'um extasi delirante, dizer-te:--Leonor, benefica luz dos meus olhos; amo-te, adoro-te, sou teu. Mas um dia vir�� em que te poderei dizer desafogadamente:--agora, por toda a vida, meu amor, j��mais me ver��s longe de ti!
Louco, que eu sou, na verdade! Insensato!... a disp?r do futuro, como se meu j�� fora. Embora! Deus �� bom! N?o sejamos incredulos! Elle, que na sua infinita bondade n?o esquece o desgra?ado agonisante no leito da d?r, por certo n?o consentir�� que uma negra nuvem venha toldar o puro azul do nosso c��u.
Leonor, por quem ��s, envia-me o balsamo para as saudades que me opprimem o cora??o.--Mauricio.
CARTA 2.^a
(Resposta de Leonor)
Bemfica, 1860.
?A tua carta veio encontrar-me agonisando nas vascas d'uma paix?o febricitante.
Um dia sorriu-me o oasis mimoso no deserto da vida, acerquei-me d'elle extenuada de fadiga, e com o meu pobre cora??o dilacerado por uma lucta gigante, que me f?ra impossivel evitar. Julgava ser aquelle o alento para proseguir na minha espinhosa tarefa!... Illus?o!... Sinto-me fraca, e n?o sei se terei for?as para resistir ��s agita??es febris que hoje me dominam.
Pede a Deus, meu bom amigo, me prolongue os dias da existencia, para poder abra?ar-te mais uma vez ao menos, e morrer depois com a consola??o derradeira do moribundo, que v�� junto do seu leito o vulto venerando do presbytero, amenisando-lhe a algidez do sepulchro com a unc??o da sua divina prece.
Lembra-te sempre da tua amiga, que, ao longe, vela por ti dia e noite.--Leonor.?
CARTA 3.^a
(De Mauricio a Leonor)
Paris, 1860.
?N?o sei como communicar-te o temor violento, que se apoderou da minha debilitada existencia ao ler e reler a tua carta. Aquellas linhas, dictadas pela fatalidade poderosa do amor, e escriptas por tua angelica m?o, que tantas vezes beijei com o anceio de largas esperan?as no futuro, compungiram-me profundamente.
Justamente, quando o meu espirito allucinado procurava o calix da ventura para docemente o libar, veiu a desdita sentar-se ao lado, e involver-me no luto de medonha desesperan?a.
Meu Deus! meu Deus! Quanto a vida �� cruel, sem uma esperan?a fagueira que nos alimente os sonhos radiosos do porvir! Qu?o duro �� de
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