Marilia de Dirceo

Tomás António Gonzaga
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The Project Gutenberg EBook of Marilia de Dirceo, by Tomás António
Gonzaga
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Title: Marilia de Dirceo
Author: Tomás António Gonzaga
Release Date: March 30, 2006 [EBook #18082]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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DIRCEO ***
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MARILIA DE DIRCEO.
MARILIA DE DIRCEO.
POR T.A.G.
PRIMEIRA PARTE.
LISBOA:
Na Typ. de J.F.M. de Campos. 1824.

MARILIA DE DIRCEO.
LYRA I.
Eu, Marilia, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio
gado,
De tosco trato, de expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos
sóes queimado.
Tenho proprio casal, e nelle assisto;
Dá-me vinho,
legume, fruta, azeite,
Das brancas ovelhinas tiro o leite,
E mais as
finas lãs, de que me visto.
Graças, Marilia bella,
Graças á minha Estrella!
Eu vi o meu semblante n'uma fonte,
Dos annos inda não está cortado:

Os Pastores, que habitão este monte,
Respeitão o poder do meu
cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem
o proprio Alceste:
Ao som della concerto a voz celeste;
Nem canto
letra que não seja minha.
Graças, Marilia bella,
Graças á minha Estrella!
Mas tendo tantos dotes da ventura,
Só aprêço lhes dou, gentil Pastora,

Depois que o teu affecto me segura,
Que queres do que tenho ser
Senhora.
He bom, minha Marilia, he bom ser dono
De hum rebanho,
que cubra monte, e prado
Porém, gentil Pastora, o teu agrado
Vale
mais [~q] h[~u] rebanho, e mais [~q] h[~u] throno.
Graças, Marilia bella,
Graças á minha Estrella!
Os teus olhos espalhão luz divina,
A quem a luz do Sol em vão se
atreve:
Papoila, ou rosa delicada, e fina,
Te cobre as faces, que são
côr da neve.
Os teus cabellos são huns fios d'ouro;
Teu lindo corpo
balsamos vapora.
Ah! não, não fez o Ceo, gentil Pastora,
Para gloria
de Amor igual Thesouro.
Graças, Marilia bella,
Graças á minha Estrella!

Leve-me a sementeira muito embora
O rio sobre os campos levantado:

Acabe, acabe a peste matadora,
Sem deixar huma rez, o nedeo
gado.
Já destes bens, Marilia, não preciso:
Nem me céga a paixão,
que o mundo arrasta,
Para viver feliz, Marilia, basta
Que os olhos
movas, e me dês hum riso.
Graças, Marilia bella,
Graças á minha Estrella!
Hirás a divertir-te na floresta,
Sustentada, Marilia, no meu braço;

Aqui descançarei a quente sésta,
Dormindo num leve somno em teu
regaço:
Era quanto a luta jogão os Pastores,
E emparelhados correm
nas campinas,
Toucarei teus cabellos de boninas,
Nos troncos
gravarei os teus louvores.
Graças, Marilia bella,
Graças á minha Estrella!
Depois que nos ferir a mão da Morte
Ou seja neste monte, ou n'outra
serra,
Nossos corpos terão, terão a sorte
De consumir os dous a
mesma terra.
Na campa, rodeada de cyprestes,
Leráõ estas palavras
os Pastores:
"Quem quizer ser feliz nos seus amores,
Siga os
exemplos que nos derão estes"
Graças, Marilia bella,
Graças á minha Estrella!
LYRA II.
Pintão, Marilia, os Poetas
A hum menino vendado,
Com huma
aljava de settas,
Arco empunhado na mão:
Ligeiras azas nos
hombros,
O tenro corpo despido;
E de Amor, ou de Cupido
São
os nomes que lhe dão.
Porém eu, Marilia, nego,
Que assim seja Amor; pois elle
Nem he
moço, nem he cégo,
Nem settas, nem azas tem,
Ora pois, eu vou
formar-lhe
Hum retrato mais perfeito,
Que elle já ferio meu peito;

Por isso o conheço bem.

Os seus compridos cabellos;
Que sobre as costas ondeão,
São que
os de Apollo mais bellos;
Mas de loura côr não são.
Tem a côr da
negra noite;
E com o branco do rosto
Fazem, Marilia, hum
composto
Da mais formosa união.
Tem redonda, e lisa testa;
Arqueadas sobrancelhas;
A voz meiga, a
vista honesta,
E seus olhos são huns sóes,
Aqui vence Amor ao Ceo,

Que no dia luminoso
O Ceo tem hum Sol formoso,
E o travesso
Amor tem dous.
Na sua face mimosa,
Marilia, estão misturadas
Purpureas folhas de
rosa,
Brancas folhas de jasmim.
Dos rubins mais preciosos
Os
seus beiços são formados;
Os seus dentes delicados
São pedaços de
marfim.
Mal vi seu rosto perfeito
Dei logo hum suspiro, e elle
Conheceo
haver-me feito
Estrago no coração.
Punha em mim os olhos,
quando
Entendia eu não olhava:
Vendo que o via, baixava
A
modesta vista ao chão.
Chamei-lhe hum dia formoso;
Elle ouvindo os seus louvores
Com
hum modo desdenhoso,
Se surrio, e não fallou.
Pintei-lhe outra vez
o estado,
Em que estava esta alma posta;
Não me deo tambem
resposta,
Constrangeo-se, e suspirou.
Conheço os signaes, e logo
Animado da esperança,
Busco dar hum
desaffogo
Ao cansado coração.
Pégo em seus dedos nevados,
E
querendo dar-lhe hum beijo,
Cubrio-se todo de pejo,
E fugio-me
com a mão.
Tu, Marilia, agora vendo
De Amor o lindo retrato,
Comtigo estarás
dizendo,
Que he este o retrato teu.
Sim, Marilia, a copia he tua,

Que Cupido he Deos supposto:
Se ha Cupido he só teu rosto,
Que
elle foi quem me venceo.

LYRA III.
De amar, minha Marilia, a formosura
Não se podem livrar humanos
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