Luar de Janeiro | Page 2

Augusto Gil

demonstrar,
Cá na terra e lá nos ceus,
Estenderia o beicito
--E
desatava a chorar!...
Corre o tempo descuidado,
Passa uma hora, outra hora,
Atraz desta
outras se vão
E, quem o vê, encantado,
Sem se poder ir embora

Numa perpetua attração...
Eu entrei com sol a pino.
Pouco depois da chegada
(Pouco a mim
me pareceu)
Deixei de ver o Menino...
Não era a vista cançada,

--Foi a noite que desceu...
Mesmo assim lá ficaria
Absorto em muda prece
De quem mal sabe
rezar,
Se o sacristão não viesse,
Com rodas de Senhoria,
Dizer-me
que ia fechar...
Pudesse tel-o trazido
E não fosse eu rico, apenas
De phantasias,
d'esp'ranças,
Punha-o num nicho florido
Por sobre as camas
pequenas
Dum hospital de creanças...
Dum hospital modelar
Sustentado por meus bens,
Entre olaias e
roseiras,
Cheio de sol, cheio d'ar,
E em que as boas enfermeiras

--Seriam as proprias mães...
A mais ampla enfermaria
Desse escolhido local
De bondade e
soffrimento
--Era o fundo natural
Da funda melancolia
Do

Menino do convento...
BALLADA DA NEVE
Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville.
Verlaine
A Vicente Arnoso
Batem leve, levemente
Como quem chama por mim...
Será chuva?
Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...
É talvez a ventania;
Mas ha pouco, ha poucochinho,
Nem uma
agulha bolia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...
Quem bate assim levemente
Com tão estranha leveza
Que mal se
ouve, mal se sente?...
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento com
certeza.
Fui ver. A neve cahia
Do azul cinzento do ceu
Branca e leve,
branca e fria...
--Ha quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus
meu!
Olho-a atravez da vidraça.
Poz tudo da côr do linho.
Passa gente e
quando passa
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses signaes
Da pobre gente que avança
E noto, por
entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pézitos de creança...
E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vel-os
Primeiro bem
definidos,
--Depois em sulcos compridos,
Porque não podia
erguel-os!...
Que quem já é peccador
Soffra tormentos, emfim!
Mas as creanças,
Senhor,
Porque lhes daes tanta dôr?!...
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em
mim prêsa.
Cae neve na natureza...
--E cae no meu coração.
TOADA PARA AS MÃES ACALENTAREM OS FILHOS
A Bertha Cayolla Gil Vianna, minha sobrinha
Oh Desgraça! vae-te embora,
Que esta linda criancinha
Andou no
meu ventre e agora
Trago-a nos braços. É minha!...
Do berço, segue-me os passos;
Onde eu vou, seus olhos vão...
E
quando a aperto nos braços
--Abraço o meu coração.
Quando o seu chôro receio,
Embalo-a, faço que acceite
A alegria do
meu seio
Na brancura do meu leite...
E quando assim não descança,
Que tristezas me consomem!
--Mas
antes chore em creança
Que depois, quando fôr homem...
Se ao dal-o ao mundo soffri
Tormentos, ancias mortaes,
Desgraça,
vae-te d'aqui,
O que pretendes tu mais?!
Bate as azas, mas ao voares,
Não me apagues esta estrella.
Se
alguem d'aqui precisares,
--Aqui me tens, em vez della!
Tocam ás ave-marias.
Foi-se o sol. Não vem a lua.
Luzinha que me
allumias,
Que sorte será a tua?...
Riquezas tenhas tão grandes,
E tal bondade tambem,
Que ao redor
d'onde tu andes
Não fique pobre ninguem.
Que a todos chegue a ventura:
Toda a bocca tenha pão,
Toda a
nudez cobertura,
Toda a dôr, consolação...
Mas se o oiro é mau caminho,
--Antes tu venhas a ser
O pobre mais
pobrezinho
De quantos pobres houver.

Iremos por esses montes
Altos e azues, como os céus...
Que onde
ha fructos e onde ha fontes,
--Está a meza de Deus!
E, quando a neve cahir
E as seivas adormecerem,
Iremos então
pedir...
(Acceitar o que nos derem!)
Andaremos á mercê
Dos genios bons, e dos falsos,
Leguas e leguas
a pé,
Rotinhos, magros, descalços...
E onde houver urzes e tojos,
Pedras que rasgam a pelle,
Porei o
corpo de rôjos
--Passarás por cima delle!
Dorme, dorme, meu menino,
Foi-se o sol. Nasceu a lua.
Qual será o
teu destino?
Que sorte será a tua?...
Se um crime tens de fazer,
Antes fique vago um throno,
Antes um
palacio a arder,
--Do que uma enxada sem dono...
Se, porém, no teu destino,
Ha tão cruentos signaes,
Dorme, dorme,
meu menino,
--Não tornes a acordar mais!
O NOSSO LAR
A Antonio Arroyo
«Sonhar a vida é apenas entretel-a.
Partamos della para nós, senão

Lá vae o coração para uma estrella
E fica a gente sem o coração!»
GUEDES TEIXEIRA_. Esperança Nossa_
Quem vir--como eu os vejo--decorrer
Annos e annos duma vida rasa

Em miseraveis quartos d'aluguer,
Frios no inverno e no estío em braza,
--A um amôr sonhado de
mulher
Allía sempre o sonho duma casa...

O aspecto duma casa raro mente,
A côr, as linhas duma frontaria

Dão logo a perceber nitidamente,
Melhor do que um vizinho o contaria,
O genio e a indole da gente

Que nella tem o lar, a moradia.
Vejam esses cottages tanto em moda
Entre os inglezes e os
capitalistas,
Com grades no jardim, a toda a roda...
Impenetraveis ás alheias vistas...
Não abrem nunca uma janella toda...

São mudos, graves, individualistas.
E aquelles caixotões de pedra e cal
Que surgem ao formar-se um
bairro novo,
No constante engordar da Capital,
(O que eu, aliás, muito aprecio e louvo...)
--Não mostram bem, com o
seu ar banal,
A falta de caracter deste povo?
Quando uma santa e pobre rapariga,
Em cujo olhar se abranda o meu
soffrer
E a cujo coração o meu se liga,
Puder chegar a ser minha mulher,
Eu
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