triste.
[8] Fakih ou faquir, especie de frade mendicante entre os musulmanos.
[9] Sotuko--o andar mais alto. Os nossos escriptores tomavam esta palavra n'um sentido evidentemente errado, servindo-se delia para indicar o aposento inferior ou térreo.
II
Nos pa?os de Azzahrat, o magnifico alca?ar dos kalifas de Cordova, ha muitas horas que cessou o estrepito de uma grande festa. O luar de noite serena d'abril bate pelos jardins que se dilatam desde o alca?ar até o Guad-al-kébir, e alveja tremulo pelas fitas cinzentas dos caminbos tortuosos, em que parecem enredados os bosquesinhos de arbustos, os macissos de arvores silvestres, as veigas de flores, os vergeis embalsamados, onde a larangeira, o limoeiro, e as demais arvores fructiferas, trazidas da Persia, da Syria e do Cathay, espalham os aromas variados das suas flores. Lá ao longe Cordova, a capital da Hespanha mussulmana, repousa da lida diurna, porque sabe que Abdu-r-rahman III, o illustre kalifa, véla pela seguran?a do imperio. A vasta cidade repousa profundamente; e o ruído mal distincto que parece revoar por cima della, é apenas o respiro lento dos seus largos pulm?es, o bater regular das suas robustas arterias. Das almadenas de seiscentas mesquitas n?o soa uma unica voz de almuhaden, e os sinos das igrejas mosarabes guardam tambem silencio. As ruas, as pra?as, os azokes, ou mercados, est?o desertos. Sómente o murmurio das novecentas fontes ou banhos publicos, destinados ás ablu??es dos crentes, ajuda o zumbido nocturno da sumptuosa rival de Bagdad.
Que festa f?ra essa que expirára algumas horas antes de nascer a lua, e de tingir com a brancura pallida de sua luz aquelles dois vultos enormes de Azzahrat e de Cordova, que olhavam um para o outro, a cinco milhas de distancia, como dois phantasmas gigantes involtos em largos sudarios? Na manhan do dia que findára, Al-hakem, o filho mais velho de Abdu-r-rahman, f?ra associado ao throno. Os walis, wasires e khatehs da monarchia dos Beni-Umeyyas tinham vindo reconhece-lo Wali-al-ahdi; isto é, futuro kalifa do Andalús e do Moghreb. Era uma idéa affagada longamente pelo velho principe dos crentes que se realisára, e o jubilo de Abdu-r-rahman se havia espraiado n'uma dessas festas, por assim dizer fabulosas, que só sabia dar no seculo decimo a c?rte mais polida da Europa, e talvez do mundo, a do soberano sarraceno de Hespanha.
O palacio Merwan, juncto dos muros de Cordova, distingue-se á claridade duvidosa da noite pelas suas fórmas macissas e rectangulares, e a sua c?r tisnada, bafo dos seculos que entristece e sanctifica os monumentos, contrasta com a das cupulas aereas e douradas dos edificios, com a das almadenas esguias e leves das mesquitas, e com a dos campanarios christ?os, cuja tez docemente pallida suavisa ainda mais o brando raio de luar que se quebra naquelles estreitos pannos de pedra branca, d'onde n?o se reflecte, mas cabe na terra pregui?oso e dormente. Como Azzahrat e como Cordova, calado e apparentemente tranquillo, o palacio Merwan, a antiga morada dos primeiros kalifas, suscita idéas sinistras, emquanto o aspecto da cidade e da villa imperial unicamente inspiram um sentimento de quieta??o e paz. N?o é só a negrid?o das suas vastas muralhas a que produz essa apertura do cora??o que experimenta quem o considera assim solitario e carrancudo; é tambem o clar?o avermelhado que resumbra da mais alta das raras frestas abertas na face exterior da sua torre albarran, a maior de todas as que o cercam, a que atalaia a campanha. Aquella luz, no ponto mais elevado do grande e escuro vulto da torre, é como um olho de demonio, que contempla colerico a paz profunda do imperio, e que espera ancioso o dia em que renas?am as luctas e as devasta??es de que por mais de dois seculos f?ra theatro o solo ensanguentado de Hespanha.
Alguem véla, talvez, no pa?o de Merwan. No de Azzahrat, posto que nenhuma luz bruxulêe nos centenares de varandas, de miradouros, de porticos, de balc?es, que lhe arrendam o immenso circuito, alguem véla por certo.
A sala denominada do Kalifa, a mais espa?osa entre tantos aposentos quantos encerra aquelle rei dos edificios, devêra a estas horas mortas estar deserta, e n?o o está. Dois lampadarios de muitos lumes pendem dos artes?es primorosamente lavrados, que, cruzando-se em angulos rectos, servem de moldura ao almofadado de azul e ouro, que reveste as paredes e o tecto. A agua de fonte perenne murmura cahindo n'um tanque de marmore construido no centro do aposento, e no topo da sala ergue-se o throno de Abdu-r-rahman, alcatifado dos mais ricos tapetes do paiz de Fars. Abdu-r-rahman está ahi sósinho. O kalifa passeia de um para outro lado, com olhar inquieto, e de instante a instante pára e escuta, como se esperasse ouvir um ruído longinquo. No seu gesto e meneios pinta-se a mais viva anciedade; porque o unico ruído que lhe fere os ouvidos é o dos
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