Seu pae era um coronel, fidalgo dos que primeiro o foram n'esta terra,
valente como o primeiro e o ultimo da sua linhagem, e honrado como
aquelle de seus avós, que morrera desterrado, em Tanger, por não
denunciar o que lhe fôra amigo desleal, embora traidor ao rei D. João
II.
Era o coronel... que vos importa o nome?!...
Sua mãe nascera dama de D. Maria I, crescera mimo de galanteria e
docilidade, emancipára-se donzella de todas as virtudes, casára-se,
mulher, exemplo das mais santas affeições de um marido, e fôra mãe
como póde se'-lo a mulher, depois que a Virgem Maria alimentou um
filho, depois que Jesus Christo rehabilitou a fascinada da serpente,
depois que a filha de Eva entrou no seu reconquistado Eden, a colher a
flor da dignidade, regada pelo sangue do filho de Maria.
II
Este dia, jubilo de anjos, para os quaes os orvalhos do céo, fecundando
as aguas do baptismo, geram na terra um irmão; jubilo de seus paes,
que, depois de quatro filhos, tinham um novo penhor de innocencia
para, em seu nome, agradecer, com labios puros, as esmolas do céo;
jubilo da egreja catholica, que estremece de felicidade, quando entra
em seu seio um filho, que lhe gosta o leite da virtude, como sustento da
immortalidade: este dia amanheceu em 1827.
Maria era o incentivo de tanta alegria. Nos braços de sua mãe, com o
seu olhar errante pelas faces desmaiadas d'ella, que parecia sorve'-la
com os seus beijos, como se aquelles fossem os ultimos; Maria, a
afilhada da Senhora da Conceição estava alli asseverando o que tantos
diziam da luz mysteriosa, que na pia do baptismo, lhe illuminava a
face.
A pureza dos anjos, não será como a santidade do predestinado!? E o
justo, na ultima hora da sua passagem na terra, quando o anjo da
serenidade lhe alveja o rosto com as suas azas transparentes, não será
como a creancinha immaculada, cuja alma vem brincar-lhe ao rosto
com toda a pureza e innocencia, que o halito creador lhe bafejou!?
A mãe de Maria chorava e as suas lagrimas desconsolavam o pae, que
as não queria ver n'aquelle dia, n'aquella hora, tão faustosa, tão de gala
para os parentes, que se abraçavam em redor do leito.
Mas fossem calar-lhe o presentimento no coração! Digam á flôr que
não penda amortecida sobre a haste, quando o sol se esconde! Digam ás
lagrimas, que estanquem nos olhos, quando o que chora não sabe
d'onde ellas nascem, nem o que contempla sabe a linguagem do espirito,
para consola'-lo em seus presentimentos sobrenaturaes!
Porque é que aquella mãe não buscava o allivio no sorriso de seu
marido? Porque não olha ella para os seus? Que é tão consolador ahi
como a presença de um marido amado, quando a fraca mulher quer
desafogo?
Não bastam allivios do mundo para essas ancias.
Deus! sim, para todas as afflicções, para todos os presagios, para todos
os temores, para todas as mães que vaticinam desventuras a suas filhas!
Deus! E na sua imagem é que aquella mãe fitava os olhos. Depois, ao
lado de Christo, estava outra imagem: era Nossa Senhora da Conceição.
Que lhe dizia aquella pallida mulher, com sua filhinha nos braços?
Ouviram-lhe só as derradeiras palavras:
«Minha Mae Santissima! entrego-vos a vossa afilhada!»
Viram um sorriso nos labios de Maria. Seria um acto maquinal dos
labios? Porque é que os adultos não sorriem maquinalmente?...
Lisongeiras duvidas para o homem que pensa nos segredos do homem.
III
Decorreram sete annos.
Eu não devo aqui pintar um quadro de guerra. Seria salpicar de sangue
a tela onde me propuz traçar uma figura grandiosa, com o colorido
suave da religião. Abomino a historia, se é força lembra'-la a
testemunhas oculares. Ha ahi muitos escolhos que ludibriam os mais
atilados pilotos. Escandecencias politicas não se refrigeram com o
orvalho do céo. Se do pulpito o hyssope muitas vezes as exacerba, que
fará d'aqui?!
E tomára eu que estas linhas, pallido reflexo do que ha de
incommunicavel no meu coração, accendessem o amor de Deus,
apagando a flamma das inimizades humanas! Tomára eu lagrimas e dó,
e paz e esquecimento para os homens, que não devem aqui encher uma
pagina de odio n'um livro que aconselha a resignação. Durmam uns e
outros o breve somno, que vae do anoitecer da vida á alvorada do
archanjo. Ver-nos-hemos em volta do juiz, que, nos seus dias de réo
entre a humanidade pervertida, dissera:
«Só a mim pertence julgar os bons e os maus!»
Bemaventurados os que esperam.
IV
1834!
Foi um anno de muitas lagrimas. Debaixo d'este formoso céo
esperdiçou-se muito sangue. As espadas terçavam por duas causas,
quando dois corações do mesmo sangue, na vanguarda de dois
exercitos irmãos, anciavam aniquilarem-se. E, se, após o ruido das
armas, se fazia o silencio tetrico da
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