a esposa do coronel, com sua filhinha de sete annos, ajoelhava diante da imagem da Senhora da Concei??o e murmurava esta prece:
?Virgem Maria, nunca a vossos pés caíram mais afflictas lagrimas! Attendei-me, Senhora, que eu sou uma fraca mulher, m?e de cinco filhos, esposa de um homem, que é o amparo d'esta pobre familia, que vos ajoelha! Vêde, ó M?e dos afflictos, que o tumulo de meu marido é o tumulo d'estes orph?os, e o d'esta m?e desvalida, que n?o tem um palmo de terra onde possa regar com suas lagrimas um fructo, que mate a fome de seus filhos. Protegei-o, ó Senhora, n'esta guerra desastrosa, em que a cada instante cáe um pae de familia, t?o desgra?ada como a minha! Eu n?o vos pe?o as honras, e a subsistencia que meu marido ganhára no servi?o da sua patria: o que eu vos pe?o é muito mais... é a vida de meu marido, mas só a vida, sem a gloria de vencedor, sem o premio do seu sangue derramado, sem mais outra riqueza que a do cora??o que elle tem, e a resigna??o com que vós, consoladora do infortunio, e eu, esposa extremosa, lhe ado?aremos a desgra?a! Os labios da vossa afilhada n?o murmuram a ora??o de sua m?e, mas o seu cora??o é aquelle que vós lhe déstes ha sete annos! Eu vos supplico em nome d'ella. Fazei que estes olhos n?o sintam t?o cedo o travo das lagrimas, que chora sua m?e! Piedade para todos nós!... amparo para meu marido... compaix?o para todas as m?es atribuladas, que, n'este momento, vos pedem, como eu, a vida de seus maridos...?
E era esta a ora??o que os suspiros n?o poderam cortar. Assim simples e angustiada, confirmava a verdade de uma grande dor que n?o escolhe palavras, nem se atavia das pompas do estylo. Quem orou n'um d'estes lances, sublimes no tormento, pela explos?o da agonia com que se refugiam no céo, compreenderá o cunho pungente, marcando a mais insignificante d'essas palavras, que proferiam os labios febris da mulher consternada entre seus filhos.
E, depois, a m?e de Maria foi deitar sua filha, e, acalentando-a, estremecia ás vezes, como se os accessos de uma convuls?o a n?o deixassem aquietar-se ao lado do seu anjo. é que a cada trom remoto da artilharia, nas linhas de Lisboa, aquella afflicta esposa de um homem de guerra sentia o véo da viuvez descer-lhe na face, e o luto da orphandade envolver aquellas cinco existencias, para nunca mais se mostrarem no mundo com direito a serem amadas por alguem. E os outros quatro meninos aconchegavam-se no rega?o d'ella; fitavam-n'a, como os passageiros de um barco em perigo fitam o semblante do homem a quem se confiaram; e, no choro, modelado pelos gemidos de sua m?e, compunham uma consonancia de vagidos, e brados, e solu?os. Quando assim se soffre, a indifferen?a do Eterno seria um cruel desengano para os infelizes, que se acolhem ao abrigo das suas misericordias... N?o haveria Deus: a justi?a divina seria uma astucia humana.
A ora??o é um respiradouro de espirito, quando a m?o da desventura o comprime até lhe abafar a derradeira esperan?a na terra. A ora??o n?o tem nada com este mundo. Pedir a justi?a do céo para as injusti?as da terra e renunciar a toda a vingan?a, é pedir a felicidade de nossos inimigos, porque Deus é misericordioso, e n?o precisa de fulminar o poderoso para vingar o fraco. Orar é caír de joelhos, e muitas vezes n?o articular dois sons de uma supplica: é n?o atinar com a linguagem de falar a Deus, porque a sciencia do mal, exclusiva do homem, só inspira ao desgra?ado express?es para que os homens o compreendam. Aquella m?e afflicta, quando orou, orava assim. Seu marido com o peito na frente de regimento era o alvo das balas inimigas. Na sua frente um outro coronel, escravo das suas convic??es, da sua honra talvez, e pae de familia tambem, ouvia o zumbir da metralha, como halito da morte a afflar-lhe os cabellos. Mas a m?e de Maria pedia por ambos; e, quando a ora??o assim é feita, o espirito de Deus está nos labios do que ora.
Enxuga as tuas lagrimas, sorve as de teus filhos com teus beijos, m?e e esposa, que o pae d'essas crean?as, o homem, que traz no cora??o os alentos de que te sustentas no mundo, n?o ha de a bala ou a espada cortar-lhe os vinculos a que prendeste a tua melindrosa existencia.
N?o ha de, que teu marido entrou na guerra de irm?os com o cora??o enlutado, como em arena fratricida, e, ao ouvir o som rispido da trombeta que mandava morrer matando, muitas vezes eleva ao Senhor o espirito atribulado, supplicando-lhe a reconcilia??o dos portuguezes.
N?o ha de, que, nas vesperas angustiosas de uma peleja, teu piedoso marido, refugiando-se dos cabos de

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