de casa de meu pae:? é o principio d'aquelle livro tam bonito que minha m?e diz que n?o intende: intendo-o eu.--Mas aqui n?o ha menina nem m??a; e vós, senhor Telmo-Paes, meu fiel escudeiro, ?faredes o que mandado vos é.?--E n?o me repliques, que ent?o altercamos, faz-se bulha, e acorda minha m?e, que é o que eu n?o quero. Coitada! Ha oito dias que aqui estamos n'esta casa, e é a primeira noite que dorme com socêgo. Aquelle palacio a arder, aquelle povo a gritar, o rebate dos sinos, aquella scena toda... oh! tam grandiosa e sublime, que a mim me encheu de maravilha, que foi um espectaculo como nunca vi outro de egual majestade!... á minha pobre m?e atterrou-a, n?o se lhe tira dos olhos: vai a fechá-los para dormir, e diz que ve aquellas chammas innoveladas em fummo a rodear-lhe a casa, a crescer para o ar, e a devorar tudo com furia infernal... O retratto de meu pae, aquelle do quarto de lavor tam seu favorito, em que elle estava tam gentil homem, vestido de cavalleiro de Malta com a sua cruz branca no peito--aquelle retratto n?o se póde consolar de que lh'o n?o salvassem, que se queimásse alli. Ves tu? ella que n?o cria em agouros, que sempre me estava a reprehender pelas minhas scismas, agora n?o lhe sái da cabe?a que a perda do retratto é prognostico fatal de outra perda maior que está perto, de alguma desgra?a inesperada, mas certa, que a tem de separar de meu pae.--E eu agora é que fa?o de forte e assizada, que zombo de agouros e de sinnas... para a animar, coitada!... que aqui entre nós, Telmo, nunca tive tanta fe n'elles. Creio, oh se creio! que s?o avisos que Deus nos manda para nos preparar.--E ha... oh! ha grande desgra?a a cahir s?bre meu pae... decerto! e s?bre minha m?e tambem, que é o mesmo.
*Telmo*, disfar?ando o terror de que está tomado. N?o digaes isso... Deus hade fazê-lo por melhor, que lh'o merecem ambos. (_Cobrando animo e exaltando-se_) Vosso pae, D. Maria, é um portuguez ás direitas. Eu sempre o tive em boa conta; mas agora, depois que lhe vi fazer aquella ac??o,--que o vi, com aquella alma de portuguez velho, deitar a m?o ás tochas, e lan?ar elle mesmo o fogo á sua propria casa; queimar e destruir n'uma hora tanto do seu haver, tanta coisa de seu g?sto, para dar um exemplo de liberdade, uma lic??o tremenda a estes nossos tyrannos... oh minha querida filha, aquillo é um homem. A minha vida que elle queira é sua. E a minha pena, toda a minha pena é que o n?o conheci, que o n?o estimei sempre no que elle valia.
*Maria*, com as lagrymas nos olhos, e tomando-lhe as m?os. Meu Telmo, meu bom Telmo!... é uma glória ser filha de tal pae: n?o é? dize.
*Telmo*. Sim é: Deus o defenda!
*Maria*. Deus o defenda! amen.--E elles, os tyrannos governadores ainda estar?o muito contra meu pae? Ja soubeste hoje alguma coisa, das diligências do tio Frei Jorge?
*Telmo*. Ja, sim. V?o-se desvanecendo--ainda bem!--os agouros de vossa m?e... h?ode sahir falsos de todo. O arcebispo, o conde de Sabugal, e os outros, ja vosso tio os trouxe á raz?o, ja os moderou. Miguel de Moura é que ainda está renitente; mas hade-lhe passar. Por estes dias fica tudo socegado. Ja o estava se elle quizesse dizer que o fogo tinha pegado por acaso. Mas ainda bem que o n?o quiz fazer; era desculpar com a villania de uma mentira o generoso crime por que o perseguem.
*Maria*. Meu nobre pae!--Mas quando hade elle sahir d'aquelle omizio? Passar os dias retirado n'essa quinta tam triste d'além do Alfeite, e n?o podêr vir aqui sen?o de noite, por instantes, e Deus sabe com que perigo!
*Telmo*. Perigo nenhum; todos o sabem e fecham os olhos. Agora é so conservar as apparencias ahi mais uns dias, e depois fica tudo como d'antes.
*Maria*. Ficará, póde ser, Deus queira que seja!--Mas tenho ca uma coisa que me diz que aquella tristeza de minha m?e, aquelle susto, aquelle terror em que está--e que ella disfar?a com tanto trabalho na presen?a de meu pae (tambem a mim m'o queria incobrir, mas agora ja n?o póde, coitada!) aquillo é presentimento de desgra?a grande...--Oh! mas é verdade... vinde ca: (_Leva-o deante dos tres retrattos que est?o no fundo; e apontando para o de D. Jo?o_) de quem é este retratto aqui, Telmo?
*Telmo*, olha, e víra a cara de repente. Esse é... hade ser... é um da familia, d'estes senhores da casa de Vimioso que aqui est?o tantos.
*Maria*, amea?ando-o com o dedo. Tu n?o dizes a verdade, Telmo.
*Telmo*, quasi offendido. Eu nunca menti, senhora D. Maria de Noronha.
*Maria*. Mas n?o diz a verdade toda o senhor Telmo-Paes; que é quasi o mesmo.
*Telmo*.
Continue reading on your phone by scaning this QR Code
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.