o que vale um portuguez dos verdadeiros.
*Magdalena*. Meu adorado esp?so, n?o te deites a perder, n?o te arrebates. Que farás tu contra esses poderosos? Elles ja te querem tam mal pelo mais que tu vales que elles, pelo teu saber--que esses grandes fingem que desprezam... mas n?o é assim, o que elles teem é inveja!--O que fará, se lhes deres pretexto para se vingarem da affronta em que os traz a superioridade do teu merito!--Manuel, meu esp?so, Manuel de Sousa, pelo nosso amor...
*Jorge*. Tua mulher tem raz?o. Prudencia, e lembra-te de tua filha.
*Manuel*. Lembro-me de tudo, deixa estar.--N?o te inquietes, Magdalena: elles querem vir para aqui ámanhan de manhan; e nós for?osamente havemos de sahir antes d'elles entrarem. Por isso é preciso ja.
*Magdalena*. Mas para onde iremos nós, derepente, a éstas horas?
*Manuel*. Para a unica parte para onde podêmos ir: a casa n?o é minha... mas é tua, Magdalena.
*Magdalena*. Qual?... a que foi?... a que péga com San'Paulo?... Jesus me valha!
*Jorge*. E fazem muito bem: a casa é larga e está em bom reparo, tem ainda quasi tudo de trastes e paramentos necessarios: pouco tereis que levar comvosco.--E ent?o para mim, para os nossos padres todos que alegria! Ficamos quasi debaixo dos mesmos telhados.--Sabeis que tendes alli tribuna para a capella da Senhora da Piedade, que é a mais devota e a mais bella de toda a egreja... Ficamos como vivendo junctos.
*Maria*. Tomára-me eu ja lá. (Levanta-se pulando.)
*Manuel*. E s?o horas, vamos a isto. (Levantando-se.)
*Magdalena*, vindo para elle. Ouve, escuta, que tenho que te dizer; por quem es, ouve: n?o haverá algum outro modo?
*Manuel*. Qual, senhora, e que lhe heide eu fazer? Lembrae vós, vêde se achaes.
*Magdalena*. Aquella casa... eu n?o tenho animo... Olhae: eu preciso de fallar a sos comvosco.--Frei Jorge, ide com Maria ahi para dentro; tenho que dizer a vosso irm?o.
*Maria*. Tio, venha, quero ver se me accommodam os meus livrinhos; (confidencialmente) e os meus papeis, que eu tambem tenho papeis: deixae que lá na outra casa vos heide mostrar... Mas segrêdo?
*Jorge*. Tontinha!
SCENA VIII
MANUEL DE SOUSA, MAGDALENA
*Manuel*. _passeia agitado de um lado para o outro da scena, com as m?os cruzadas detrás das costas, e parando derepente_: Hade saber-se no mundo que ainda ha um portuguez em Portugal.
*Magdalena*. Que tens tu, dize, que tens tu?
*Manuel*. Tenho que n?o heide soffrer ésta affronta... e que é preciso sahir d'esta casa, senhora.
*Magdalena*. Pois sahiremos, sim: eu nunca me oppuz ao teu querer, nunca soube que coisa era ter outra vontade differente da tua; estou prompta a obedecer-te sempre, cegamente, em tudo. Mas, oh! esp?so da minha alma... para aquella casa n?o, n?o me leves para aquella casa. (_Deitando-lhe os bra?os ao pesco?o_.)
*Manuel*. Ora tu n?o eras costumada a ter caprichos! N?o temos outra para onde ir: e a éstas horas, n'este appêrto... Mudaremos depois, se quizeres... mas n?o lhe vejo remedio agora.--E a casa que tem? Porque foi de teu primeiro marido! é por mim que tens essa repugnancia? Eu estimei e respeitei sempre a D. Jo?o de Portugal; honro a sua memória, por ti, por elle e por mim; e n?o tenho na consciencia por que receie abrigar-me debaixo dos mesmos tectos que o cobriram.--Viveste alli com elle? Eu n?o tenho ciumes de um passado que me n?o pertencia. E o presente, esse é meu, meu so, todo meu, querida Magdalena... N?o fallêmos mais n'isso; é preciso partir, e ja.
*Magdalena*. Mas é que tu n?o sabes... eu n?o sou melindrosa nem de inven??es: em tudo o mais sou mulher, e muito mulher, querido; n'isso n?o... mas tu n?o sabes a violencia, o constrangimento d'alma, o terror com que eu penso em ter de entrar n'aquella casa. Parece-me que é voltar ao podêr d'elle, que é tirar-me dos teus bra?os, que o vou incontrar alli...--oh perdoa, perdoa-me, n?o me sái ésta idea da cabe?a...--que vou achar alli a sombra despeitosa de D. Jo?o que me está amea?ando com uma espada de dous gumes... que a atravessa no meio de nós, entre mim e ti e a nossa filha, que nos vai separar para sempre...--Que queres...? bem sei que é loucura; mas a idea de tornar a morar alli, de viver alli comtigo e com Maria, n?o posso com ella. Sei de certo que vou ser infeliz, que vou morrer n'aquella casa funesta, que n?o estou alli tres dias, tres horas sem que todas as calamidades do mundo venham s?bre nós.--Meu esposo, Manuel, marido da minha alma, pelo nosso amor t'o pe?o, pela nossa filha... vamos seja para onde for, para a cabana de algum pobre pescador d'esses contornos, mas para alli n?o, oh! n?o.
*Manuel*. Em verdade nunca te vi assim; nunca pensei que tivesses a fraqueza de accreditar em agouros. N?o ha sen?o um temor justo, Magdalena, é o temor de Deus; n?o ha espectros que nos possam apparecer
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