que está do outro lado: essa estufa é a habita??o da Morte; e as flores e as arvores que est?o lá dentro, é ella quem as cultiva; cada flor e cada arvore é a vida d'uma creatura humana.?
--Oh! o que n?o darei eu, para rehaver o meu filho!? disse a m?e. E apesar de ter já chorado tantas lagrimas, chorou com mais amargura do que nunca, e os seus olhos destacaram-se das orbitas e cairam no fundo do lago, transformando-se em duas perolas, como ainda as n?o teve no mundo uma rainha.
O lago ent?o ergueu-a, e com um movimento de ondula??o depositou-a na outra margem, aonde havia um maravilhoso edificio, com mais d'uma legua de comprido. De longe n?o se sabia se era uma construc??o artistica ou uma montanha com grutas e florestas. Mas a pobre m?e n?o podia ver nada; tinha dado os seus olhos.
--Como heide eu reconhecer a Morte que me roubou o meu filho!? bradou ella desesperada.
--A Morte ainda n?o chegou, respondeu-lhe uma boa velha, que andava d'um lado para o outro, inspeccionando a estufa e cuidando das plantas. Como vieste tu aqui parar? quem te ensinou o caminho??
--Deus auxiliou-me, respondeu ella. Deus é misericordioso. Compadece-te de mim, e dize-me onde está o meu filho.?
--Eu n?o o conhe?o, e tu és cega, disse a velha. Ha aqui muitas plantas e muitas arvores, que murcharam esta noite: a Morte n?o tarda ahi para as tirar da estufa. Deves saber, que toda a creatura humana tem n'este sitio uma arvore ou uma flor, que representam a sua vida e que morrem com ella. Parecem plantas como quaesquer outras, mas tocando-lhes, sente-se bater um cora??o. Guia-te por isto, e talvez reconhe?as as pulsa??es do cora??o de teu filho. E que davas tu por eu te ensinar o que tens ainda de fazer??
--Já n?o tenho nada que te dar, disse a pobre m?e. Mas irei até ao fim do mundo buscar o que tu quizeres.--?Fóra d'aqui n?o preciso de nada, respondeu a velha. Dá-me os teus longos cabellos negros; tu sabes que s?o bellos, e agradam-me. Trocal-os-hei pelos meus cabellos brancos.?--N?o pedes mais nada do que isso? disse a m?e. Ahi os tens, dou-t'os de boa vontade.?
E arrancou os seus magnificos cabellos, que tinham sido outr'ora o seu orgulho de rapariga, recebendo em troca os cabellos curtos e inteiramente brancos da velha.
Esta levou-a pela m?o á grande estufa, onde crescia exhuberantemente uma vegeta??o maravilhosa.
Viam-se debaixo de campanulas de cristal jacinthos mimosissimos ao lado de peonias inchadas e ordinarias. Havia tambem plantas aquaticas, umas cheias de seiva, outras meio murchas, e em cujas raizes se ennovelavam cobras asquerosas.
Mais longe erguiam-se palmeiras soberbas, carvalhos e platanos frondosos; depois n'um outro sitio isolado havia canteiros de salsa, tomilho, ortel? e outras plantas humildes que representavam o genero de utilidade das pessoas que ellas symbolisavam.
Havia ainda grandes arbustos em vasos demasiadamente estreitos, que pareciam rebentar; mas viam-se tambem floresitas insignificantes, em vasos de porcelana, na melhor terra, circumdadas de musgo, tratadas com esmero delicadissimo. Tudo isso representava a vida dos homens, que a essa hora existiam no mundo, desde a China até à Groenlandia.
A velha queria mostrar-lhe todas estas cousas mysteriosas, mas a m?e impacientada pediu-lhe que a levasse ao sitio onde estavam as plantas pequeninas; tacteava-as, apalpava-as, para lhes sentir o bater do cora??o, e, depois de ter tocado em milhares d'ellas, reconheceu as pulsa??es do cora??o do seu filho.
--é elle!? exclamou, lan?ando a m?o a um a?afroeiro, que, pendido sobre a terra, parecia completamente estiolado.
--N?o lhe toques, disse a velha. Fica n'este sitio; e quando a Morte vier, que n?o tarda, prohibe-lhe que arranque esta planta; amea?a-a de arrancar todas as flores que est?o aqui. A Morte terá medo, porque tem de dar conta d'ellas a Deus. Nenhuma póde ser arrancada sem o seu consentimento.?
N'isto sentiu-se um vento glacial, e a m?e adivinhou que era a Morte, que se approximava.
--Como é què deste com o caminho? perguntou-lhe a Morte. Chegar ainda primeiro do que eu! Como o conseguiste?--?Sou m?e? respondeu ella.
E a Morte estendeu a sua m?o ganchosa para o pequenino a?afroeiro.
Mas a m?e protegia-o violentamente com ambas as m?os, tendo o cuidado de n?o ferir uma só das pequeninas petalas. Ent?o a Morte soprou-lhe nas m?os, fazendo-lh'as cair inanimadas. O halito da Morte era mais frio do que os ventos enregelados do inverno.
--N?o pódes nada comigo!? disse a Morte.--Mas Deus tem mais for?a do que tu, respondeu a m?e.?--?é verdade, mas eu n?o fa?o sen?o aquillo que elle manda. Sou o seu jardineiro. Todas estas plantas, arvores e arbustos, quando come?am a murchar, transplanto-as para outros jardins, um dos quaes é o grande jardim do Paraizo. S?o regi?es desconhecidas; ninguém sabe o que se lá passa.?
--Misericordia! misericordia! solu?ou a m?e. N?o me roubem o meu filho, agora que acabo de o encontrar!?
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