Contos para a Infância | Page 6

Guerra Junqueiro

blusa sem o largar.
Era como se dissesse: «Onde vais tu com o trigo de meu dono?»
O ladrão quis pôr então outra vez o saco donde o tinha tirado; Piloto
não consentiu, e teve-o em guarda, sem o morder nem o ferir, até de
manhã; o quinteiro foi dar com ele nesta difícil posição, repreendeu-o
vivamente, e despediu-o sem divulgar o caso para o não desonrar.
Mas o homem ficou com ódio ao cão, e muito tempo depois,
aproveitando a ausência do quinteiro e de seus filhos, chamou o Piloto,
que correu para ele sem desconfiança; atou-lhe uma corda ao pescoço e
arrastou-o até à margem do ribeiro.
Atou uma grande pedra à outra extremidade da corda e levantando o
animal atirou-o à água; mas arrastado ele próprio com o peso e com o
esforço, caiu também.
Como não sabia nadar, teria sido despedaçado pela roda do moinho, se
o corajoso Piloto, obedecendo ao seu instinto de salvador e
desembaraçando-se da pedra mal atada, não tivesse mergulhado duas
vezes e trazido para terra o seu mortal inimigo.
Este, que estava quase desmaiado, compreendeu quando voltou a si,
que o cão que ele tinha querido afogar, lhe salvara a vida.
Teve vergonha de seu acto miserável; e desde esse dia, violentou-se a si
mesmo e combateu as suas más inclinações.
O exemplo do cão corrigiu o homem.

*O rico e o pobre*
Martinho era um rapazito, que ganhava a sua vida a fazer recados; um

dia, voltando de uma aldeia muito distante da sua, achou-se cansado e
deitou-se debaixo de uma árvore, à porta de uma estalagem, junto da
estrada. Estava comendo um bocado de pão que tinha trazido para
jantar, quando chegou uma bela carruagem em que vinha um
fidalguinho, com o seu preceptor. O estalajadeiro correu imediatamente
e perguntou aos viajantes se queriam apear-se, mas responderam-lhe
que não tinham tempo, e pediram-lhe que lhes trouxesse um frango
assado e uma garrafa de vinho.
Martinho estava pasmado a olhar para eles; olhou depois para a sua
côdea de pão, para a sua velha jaqueta, para o seu chapéu todo roto, e
suspirando exclamou baixinho: Oh! se eu fosse aquele menino tão rico,
em vez do desgraçado Martinho! Que fortuna se ele estivesse aqui, e eu
dentro daquela carruagem!» O preceptor ouviu casualmente o que dizia
Martinho e repetiu-o ao seu aluno, que, lançando a cabeça fora da
carruagem, chamou Martinho com a mão.
--Ficarias muito contente, não é verdade, meu rapaz, podendo trocar a
minha sorte pela tua?»--Peço que me desculpe senhor, replicou
Martinho corando, o que eu disse não foi por mal.»--Não estou zangado
contigo, replicou o fidalguinho, pelo contrário, desejo fazer a troca.»
--Oh! está a divertir-se comigo! tornou Martinho, ninguém quereria
estar no meu lugar, quanto mais um belo e rico menino como o senhor.
Ando muitas léguas por dia, como pão seco e batatas, enquanto que o
senhor anda numa carruagem, pode comer frangos e beber
vinho.»--Pois bem, volveu o fidalguinho, se me queres dar tudo aquilo
que tens e que eu não tenho, dou-te em troca de boa vontade tudo o que
possuo.» Martinho ficou com os olhos espantados, sem saber o que
havia de dizer; mas o preceptor continuou: «Aceitas a troca?»--Ora essa!
exclamou Martinho, ainda mo pergunta! Oh! como toda a gente da
aldeia vai ficar assombrada de me ver entrar nesta bela carruagem!» E
Martinho desatou a rir com a ideia da entrada triunfante na sua aldeia.
O fidalguinho chamou os criados, que abriram a portinhola e o
ajudaram a descer. Mas qual foi a surpresa de Martinho, vendo que ele
tinha uma perna de pau e que a outra era tão fraca, que se via obrigado
a andar em duas muletas: depois, olhando para ele de mais perto,

Martinho observou que era muito pálido e que tinha cara de doente.
Sorriu para o rapazito com ar benévolo, e disse-lhe:--Então sempre
desejas trocar? Querias porventura, se pudesses, deixar as tuas pernas
valentes e as tuas faces coradas, pelo prazer de ter uma carruagem e
andar bem vestido?»--Oh! não, por coisa nenhuma! replicou
Martinho.--«Eu, disse o fidalguinho, de boa vontade seria pobre, se
tivesse saúde. Mas, como Deus quis que fosse aleijado e doente, sofro
os meus males com paciência e faço por ser alegre, dando graças a
Deus pelos bens que me concedeu na sua infinita misericórdia.
«Faz o mesmo, meu amiguinho, e lembra-te que, se és pobre e comes
mal, tens força e saúde, coisas que valem mais que uma carruagem, e
que não podem comprar-se com dinheiro.

*Como um camponês aprendeu o Padre Nosso*
Tinha o coração duro, e não dava esmolas. Foi-se confessar uma vez, e
o confessor deu-lhe por penitência rezar sete vezes o Padre Nosso.
«Não o sei, e nunca o pude aprender, respondeu o aldeão.»
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