Contos para a Infância | Page 3

Guerra Junqueiro
ventos enregelados do Inverno.
--Não podes nada comigo!» disse a Morte.--Mas Deus tem mais força
do que tu, respondeu a mãe.»--«É verdade, mas eu não faço senão
aquilo que ele manda. Sou o seu jardineiro. Todas estas plantas, árvores
e arbustos, quando começam a murchar, transplanto-as para outros
jardins, um dos quais é o grande jardim do Paraíso. São regiões
desconhecidas; ninguém sabe o que se lá passa.»
--Misericórdia! misericórdia! soluçou a mãe. Não me roubem o meu
filho, agora que acabo de o encontrar!» Suplicava e gemia. A Morte
conservava-se impassível; agarrou então instantaneamente em duas
flores lindíssimas e disse à Morte: «Tu desprezas-me, mas olha, vou
arrancar, despedaçar não só esta, mas todas as flores que estão aqui!
--Não as arranques, não as mates, bradou a Morte. Dizes que és
desgraçada, e querias ir partir o coração de outra mãe!--«Outra mãe!»
disse a pobre mulher, largando as flores imediatamente.--Toma, aqui
tens os teus olhos, disse a Morte. Brilhavam tão suavemente que os tirei
do lago. Não sabia que eram teus. Mete-os nas órbitas, e olha para o
fundo deste poço; vê o que ias destruir, se arrancasses estas flores.
Verás passar nos reflexos da água, como numa miragem, a sorte
destinada a cada uma dessas duas flores, e a que teria tido o teu filho, se
porventura vivesse.»
Debruçou-se no poço, e viu passar imagens de felicidade e alegria,
quadros risonhos e deliciosos, e logo depois cenas terríveis de miséria,
de angústias e de desolação.
--Nisto que eu vejo, disse a mãe aflitíssima, não distingo qual era a
sorte que Deus destinava ao meu filho.»
--Não posso dizer-to, respondeu a Morte. Mas repito-te, em tudo isto

que te apareceu viste o que no mundo havia de suceder ao teu filho.»
A mãe desvairada, lançou-se de joelhos exclamando: Suplico-te,
diz-me: era a sorte infeliz a que lhe estava reservada? Não é verdade!
Fala! Não me respondes? Oh! na dúvida, leva-o, leva-o, não vá ele
sofrer desgraças tão horríveis. O meu querido filho! Quero-lho mais
que à minha vida. As angústias que sejam para mim. Leva-o para o
reino dos céus. Esquece as minhas lágrimas, as minhas súplicas,
esquece tudo o que fiz e tudo o que disse.»
--Não te compreendo, respondeu a Morte: Queres que te entregue o teu
filho ou que o leve para a região desconhecida de que não posso
falar-te!» Então a mãe alucinada, convulsa, torcendo os braços,
deitou-se de joelhos e dirigindo-se a Deus exclamou: «Não me ouças,
Senhor, se reclamo no fundo do meu coração contra a tua vontade que é
sempre justa! Não me atendas meu Deus!»
E deixou cair a cabeça sobre o peito, mergulhada na sua agonia
dilacerante.
E a Morte arrancou o pequenino açafroeiro, e foi transplantá-lo no
jardim do paraíso.

*O ouro*
Era uma vez um rei, que, tendo achado no seu reino algumas minas de
ouro, empregou a maior parte dos vassalos a extrair o ouro dessas
minas; e o resultado foi que as terras ficaram por cultivar, e que houve
uma grande fome no país.
Mas a rainha, que era prudente e que amava o povo, mandou fabricar
em segredo frangos, pombos, galinhas e outras iguarias todas de ouro
fino; e quando o rei quis jantar mandou-lhe servir essas iguarias de
ouro, com que ele ficou todo satisfeito, porque não compreendeu ao
princípio qual era o sentido da rainha; mas, vendo que não lhe traziam
mais nada de comer, começou a zangar-se. Pediu-lhe então a rainha,
que visse bem que o ouro não era alimento, e que seria melhor

empregar os seus vassalos em cultivar a terra, que nunca se cansa de
produzir, do que trazê-los nas minas à busca do ouro, que não mata a
fome nem a sede, e que não tem outro valor além da estimação que lhe
é dada pelos homens, estimação que havia de converter-se em desprezo,
logo que ouro aparecesse em abundância.
A rainha tinha juízo.

*Doçura e bondade*
Há entre vós, meus filhos, índoles violentas, que não sabem dominar-se,
e que são arrastadas pelas primeiras impressões. É uma péssima
disposição, que é necessário corrigir; dá lugar a disputas, e a que se
cometam acções, cujo arrependimento chega demasiadamente tarde.
Citar-vos-ei dois exemplos de que fui testemunha.
Um rapaz, sacudido violentamente na rua por um homem que vinha
diante dele, volta-se e dá-lhe uma bofetada.
--Oh! senhor! exclamou o outro, mal sabe a pena que vai ter! Bateu
num cego!»
Um homem ainda novo montado num burro, atravessava uma aldeia, e
uns camponeses grosseiros começaram a apupá-lo e a bater no burro,
para o fazer correr. O homem apeou-se, foi direito a eles, e,
mostrando-lhes a sua perna aleijada, disse-lhes: «Se soubésseis que eu
era coxo, não teríeis sido tão covardes.»
Os camponeses, envergonhados, coraram, afastando-se sem pronunciar
uma palavra.
Que
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