a mulher do Miguel La Courdaye?
--é o papá--disse do lado o pequenito, fitando o soldado com os seus grandes olhos azues.
--Pois, senhora...
O soldado olhou em redor, peturbado, afflicto, e continuou:
--Pois o Miguel, o 26 dos atiradores, o meu querido e bravo camarada...
--Hein?--balbuciou a pobre mulher.
O sargento apontou com o indicador para o céo, e, approximando-se da porta, terminou:
--Morreu!
E deitou a correr pela estrada fóra, porque n?o tinha coragem de assistir áquelle lance angustioso. N?o tinha animo, elle, que no calor da refrega, affrontára os maiores perigos!
Depois da ceia, o Miguel quiz ainda ver o seu papá. Abriu o mappa, e quando chegou á Criméa, disse:
--Eh! aqui está elle!
--Já n?o está, meu filho--respondeu-lhe a m?e a chorar.
O pequenito olhou para ella, e perguntou:
--Ent?o?
--Está no céo!
--Está no... céo? Ent?o vou procurar o céo.
E ficou, por muito tempo, debru?ado sobre o mappa, a procurar onde ficaria o céo para ver o seu papá, até que deixou pender a sua loira cabecinha sobre o livro, e adormeceu.
O RETRATO DOS PAES
A mala-posta, que seguia do Porto para Braga, passava, ás 7 horas da manh?, defronte da Izabellinha--aldeola obscura, que fica emboscada n'uma deveza cerrada de carvalheiras, entre Santiago da Cruz e a estrada de Barcellos.
Como era subida, os cavallos iam a passo, de redeas bambas, com as cabe?as pendentes, saccudindo com as caudas os moscardos teimosos, que lhes afferretoavam nos ilhaes. Na imperial do tejadilho os passageiros cabeceavam com somno. O cocheiro, com o chapéo desabado cahido para o sobr'?lho esquerdo, por causa do sol, e com as redeas entaladas nos joelhos, petiscava lume da pederneira e acendia pachorrentamente no morr?o um cigarro de Xabregas.
--Ainda n?o enxergo o manco--disse o conductor, com os olhos fitos n'um atalho, que vinha sahir á estrada.
--Toque-lhe a busina, homem--alvitrou do lado o cocheiro, com a voz rouca da aguardente--toque-lhe a busina; que, se n?o apparecer, adeus! a culpa é d'elles.
O conductor limpou com a palma da m?o o boccal da corneta, que levava ao tiracollo, applicou-o aos bei?os, inchou as bochechas d'ar, e soprou de rijo, tirando um som roufenho, prolongado, com intermittencias, que se ouvia de longe.
O manco, que estava encostado no cunhal do muro, á sombra d'um castanheiro, sahiu a meio da estrada.
Ao passar a mala-posta, o conductor atirou-lhe d'alto com uma sacca de brim, surrada, suja e fechada com uma vareta de ferro, em cuja extremidade pendia um aluquete triangular. O manco estendeu os bra?os para a suspender no ar. Assim que a aparou, sopesou-a duas vezes, com os bra?os esticados, e observou:
--Hoje pesa!
--Hoje ha paquete--explicou succintamente o conductor.
E, como a estrada principiava a descer n'uma ladeira ingreme, volteou com for?a e á pressa a manivella do trav?o, e disse para o manco:
--Adeus.
A mala-posta seguiu a trote largo pelo meio da estrada, aos solavancos, levantando nuvens densas de poeira, com grande ruido das rodas, fremito das vidra?as e o tilintar constante dos guisos das colleiras.
O manco atirou para o hombro com a mala das cartas, fincou o bra?o concavo da mulêta no sovaco direito, e desandou pelo atalho fóra, a coxear, para casa do Bento do correio.
Ao fundo do atalho, em continua??o do muro tosco dos campos, ficava uma estacada já velha, combalida, esverdengada das chuvas da invernia a resguardar uma leira hortada de couves e cebollinho. Tinha dentro uma casita de telha v? com porta e postigo sem vidra?a. Dirigiu-se o manco á cancella da palli?ada, correu-lhe o ferr?lho pêrro na armella, e gritou:
--ó tia Anna! tia Anna!
Abriu-se a porta da casa, e appareceu no limiar uma velhinha tremula, curvada para diante, com uma roca enfiada á cinta, a fiar estopa.
--Que é lá, manco?--perguntou ella, inclinando-se para fóra, com a m?o fincada na humbreira.
--Correio!--gritou o manco com um grande berro.
A velha fez-lhe com a m?o signal de que esperasse. Poisou dentro a roca e o fuso, e sahiu á horta ageitando com os dedos as farripas brancas do cabello, que lhe espreitavam por debaixo do len?o. O rapaz transpoz a cancella, foi ao encontro da tia Anna, e gritou-lhe com a bocca muito aberta:
--Correio! ouviu?
A mulher fitou-o com os olhos espantados, e perguntou:
--Que é? N?o oi?o.
O manco sorriu-se resignado; collando ent?o a bocca ao ouvido da tia Anna, repetiu com maior brado:
--Correio! correio! ouviu agora?
--Ah!--exclamou a velhinha, esfregando as m?os de jubilo radiante--ouvi, meu filho, ouvi:--é correio!
--é correio, é--confirmou elle com um aceno affirmativo.
E, pondo-lhe a m?o no hombro, disse-lhe adeus até logo, correu de novo o ferr?lho, e tomou á direita, pelo carreiro de um milharal, caminho do correio.
* * * * *
N?o se imagina o que é a chegada do correio a uma aldeia qualquer do Minho! Cartas dos filhos ausentes!
Que anciedade em vêr realisadas as esperan?as e...
Deixemos estas considera??es, e relatemos os factos.
D'aquella mesma porta, vinte annos antes, sahira uma vez a tia Anna, ainda forte, robusta e sadia, para acompanhar ao
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