Contos dAldeia | Page 9

Alberto Braga
a mulher do Miguel La Courdaye?
--é o papá--disse do lado o pequenito, fitando o soldado com os seus grandes olhos azues.
--Pois, senhora...
O soldado olhou em redor, peturbado, afflicto, e continuou:
--Pois o Miguel, o 26 dos atiradores, o meu querido e bravo camarada...
--Hein?--balbuciou a pobre mulher.
O sargento apontou com o indicador para o céo, e, approximando-se da porta, terminou:
--Morreu!
E deitou a correr pela estrada fóra, porque n?o tinha coragem de assistir áquelle lance angustioso. N?o tinha animo, elle, que no calor da refrega, affrontára os maiores perigos!
Depois da ceia, o Miguel quiz ainda ver o seu papá. Abriu o mappa, e quando chegou á Criméa, disse:
--Eh! aqui está elle!
--Já n?o está, meu filho--respondeu-lhe a m?e a chorar.
O pequenito olhou para ella, e perguntou:
--Ent?o?
--Está no céo!
--Está no... céo? Ent?o vou procurar o céo.
E ficou, por muito tempo, debru?ado sobre o mappa, a procurar onde ficaria o céo para ver o seu papá, até que deixou pender a sua loira cabecinha sobre o livro, e adormeceu.

O RETRATO DOS PAES
A mala-posta, que seguia do Porto para Braga, passava, ás 7 horas da manh?, defronte da Izabellinha--aldeola obscura, que fica emboscada n'uma deveza cerrada de carvalheiras, entre Santiago da Cruz e a estrada de Barcellos.
Como era subida, os cavallos iam a passo, de redeas bambas, com as cabe?as pendentes, saccudindo com as caudas os moscardos teimosos, que lhes afferretoavam nos ilhaes. Na imperial do tejadilho os passageiros cabeceavam com somno. O cocheiro, com o chapéo desabado cahido para o sobr'?lho esquerdo, por causa do sol, e com as redeas entaladas nos joelhos, petiscava lume da pederneira e acendia pachorrentamente no morr?o um cigarro de Xabregas.
--Ainda n?o enxergo o manco--disse o conductor, com os olhos fitos n'um atalho, que vinha sahir á estrada.
--Toque-lhe a busina, homem--alvitrou do lado o cocheiro, com a voz rouca da aguardente--toque-lhe a busina; que, se n?o apparecer, adeus! a culpa é d'elles.
O conductor limpou com a palma da m?o o boccal da corneta, que levava ao tiracollo, applicou-o aos bei?os, inchou as bochechas d'ar, e soprou de rijo, tirando um som roufenho, prolongado, com intermittencias, que se ouvia de longe.
O manco, que estava encostado no cunhal do muro, á sombra d'um castanheiro, sahiu a meio da estrada.
Ao passar a mala-posta, o conductor atirou-lhe d'alto com uma sacca de brim, surrada, suja e fechada com uma vareta de ferro, em cuja extremidade pendia um aluquete triangular. O manco estendeu os bra?os para a suspender no ar. Assim que a aparou, sopesou-a duas vezes, com os bra?os esticados, e observou:
--Hoje pesa!
--Hoje ha paquete--explicou succintamente o conductor.
E, como a estrada principiava a descer n'uma ladeira ingreme, volteou com for?a e á pressa a manivella do trav?o, e disse para o manco:
--Adeus.
A mala-posta seguiu a trote largo pelo meio da estrada, aos solavancos, levantando nuvens densas de poeira, com grande ruido das rodas, fremito das vidra?as e o tilintar constante dos guisos das colleiras.
O manco atirou para o hombro com a mala das cartas, fincou o bra?o concavo da mulêta no sovaco direito, e desandou pelo atalho fóra, a coxear, para casa do Bento do correio.
Ao fundo do atalho, em continua??o do muro tosco dos campos, ficava uma estacada já velha, combalida, esverdengada das chuvas da invernia a resguardar uma leira hortada de couves e cebollinho. Tinha dentro uma casita de telha v? com porta e postigo sem vidra?a. Dirigiu-se o manco á cancella da palli?ada, correu-lhe o ferr?lho pêrro na armella, e gritou:
--ó tia Anna! tia Anna!
Abriu-se a porta da casa, e appareceu no limiar uma velhinha tremula, curvada para diante, com uma roca enfiada á cinta, a fiar estopa.
--Que é lá, manco?--perguntou ella, inclinando-se para fóra, com a m?o fincada na humbreira.
--Correio!--gritou o manco com um grande berro.
A velha fez-lhe com a m?o signal de que esperasse. Poisou dentro a roca e o fuso, e sahiu á horta ageitando com os dedos as farripas brancas do cabello, que lhe espreitavam por debaixo do len?o. O rapaz transpoz a cancella, foi ao encontro da tia Anna, e gritou-lhe com a bocca muito aberta:
--Correio! ouviu?
A mulher fitou-o com os olhos espantados, e perguntou:
--Que é? N?o oi?o.
O manco sorriu-se resignado; collando ent?o a bocca ao ouvido da tia Anna, repetiu com maior brado:
--Correio! correio! ouviu agora?
--Ah!--exclamou a velhinha, esfregando as m?os de jubilo radiante--ouvi, meu filho, ouvi:--é correio!
--é correio, é--confirmou elle com um aceno affirmativo.
E, pondo-lhe a m?o no hombro, disse-lhe adeus até logo, correu de novo o ferr?lho, e tomou á direita, pelo carreiro de um milharal, caminho do correio.
* * * * *
N?o se imagina o que é a chegada do correio a uma aldeia qualquer do Minho! Cartas dos filhos ausentes!
Que anciedade em vêr realisadas as esperan?as e...
Deixemos estas considera??es, e relatemos os factos.
D'aquella mesma porta, vinte annos antes, sahira uma vez a tia Anna, ainda forte, robusta e sadia, para acompanhar ao
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 30
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.