Contos dAldeia

Alberto Braga
Contos d'Aldeia, by Alberto
Braga

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Title: Contos d'Aldeia
Author: Alberto Braga
Release Date: May 23, 2007 [EBook #21581]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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D'ALDEIA ***

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ALBERTO BRAGA
CONTOS D'ALDEIA

2.^a EDIÇÃO
COMPANHIA PORTUGUEZA EDITORA
PORTO--1916

ALBERTO BRAGA
CONTOS D'ALDEIA
PORTO COMPANHIA PORTUGUESA EDITORA 1916

A MINHAS IRMÃS

A GUERRA
Logo abaixo dos açudes, ficava de uma banda do rio a azenha do
Euzebio moleiro, e da margem opposta, um pouco mais abaixo, a
azenha do tio Anselmo.
Eram dous velhotes viuvos, de bons sessenta annos, e amigos desde
creanças. Para contradicção do anexim popular, estes dois moleiros
queriam-se como dois irmãos, a despeito de serem do mesmo officio.
Parece que o rio, n'aquelle sitio, era até mais pittoresco! Por detraz das
azenhas descia a enfesta de uma cerrada deveza de carvalhos e
sobreiros, com o atalho aberto ao meio, que era por onde seguiam os
machos carregados com os taleigos da fornada. Mesmo á ourela havia
alguns amieiros e choupos, que se debruçavam sobre o rio. As aguas
cahidas nos açudes, vinham costeando uma gandara, escondiam-se em
meio de um canavial, e surgiam depois mais limpidas até ás rodas do
moinho, que as marulhavam e batiam constantemente.
No verão, quando a levada era minguada, os dois velhotes visitavam-se

a miudo, atravessando destemidamente pelas poldras; mas, quando as
chuvas do outomno principiavam a tornar o rio caudaloso, limitavam-se
então a falar d'um lado para o outro. Era triste! Já tão velhotes! E
depois dizia o Euzebio:
--Anselmo, fala mais alto, que te não oiço.
--O que é?--perguntava o outro, inclinando o pavilhão da orelha.
O Euzebio fazia um porta-voz com as mãos, e gritava:
--Não te intendo.
Quando chegavam a falar, concordavam sempre que era o barulho das
rodas do moinho, que os não deixava ouvir. Isso sim! Era o peso dos
annos que os tinha quasi surdos de todo. Pobres velhos!
O Euzebio tinha um filho, que era um rapagão de vinte e dois annos,
como um castello! Ainda o dia vinha longe, já elle estava a trabalhar,
que era um regalo a gente vel-o.
--Lida como um moiro!--diziam os conhecidos.
E se havia esfolhada, ou espadellada, quem lá não faltava era elle.
O pae, que, n'outros tempos, tinha sido um folião, dizia-lhe, á bôcca da
noite:
--Simão, se tens de ir a algures, parte, que eu cá fico, para aviar os
freguezes.
--Estava arranjado!--respondia o moço a rir.--Vocemecê já deu o que
tinha a dar. Agora coma e beba, e deixe-me cá com a vida!
Primeiro que tudo estava a sua obrigação. O rapaz assim que não tinha
mais freguezes a aviar, fechava a ucha do moinho, e partia então para a
brincadeira.
E o velhote do pae, quando alguem lhe contava as diabruras do filho,

parece que até a alma se lhe ria na menina dos olhos.
O Anselmo tinha uma filha. Chamava-se ella Margarida, e era formosa,
d'aquella formusura campesinha, sem artificio, jovial e expansiva. Em
dotes do coração--que é a principal belleza!--nem as mais virtuosas a
excediam.
Desde pequenina foi Margarida creada com Simão. Se não ficasse mal
estabelecer agora parallelos já sabidos e repetidos, estava em dizer que
os dois se queriam e estimavam como Paulo e Virginia.
Quando os quinze annos de Margarida, que era mais nova dois do que
Simão, vieram pôr termo aos brinquedos d'infancia, então principiou
elle a olhal-a com aquelle respeito com que se olha para uma irmã mais
velha.
Mas vá-se desde já sabendo que esse respeito não estorvava, antes
acrysolava um outro sentimento, que principiava a exercer e a avultar
no generoso coração do rapaz.
Margarida, quando Simão lhe falava na sua tristeza e no seu amor,
fingia-se contrariada, carregava o sobr'olho e mudava de conversa.
D'estas esquivanças repetidas ateou-se o fogo da paixão na alma do
moleiro.
--Margarida--dizia-lhe elle d'uma vez--se não quizeres casar comigo,
hei de morrer solteiro.
--Não te faltam mulheres, Simão.
--E se te vejo ser d'outro--protestava o rapaz com as lagrimas nos
olhos--não sei que faça, que me não mate.
E Margarida era tão cruel, que assim despresasse o seu amigo e
companheiro d'infancia?!
Nós veremos já até onde vae a dedicação de uma mulher.
* * * * *

Isto passava-se no tempo em que se guerreavam os partidos de D.
Pedro e de D. Miguel.
Quando ás aldeias chegavam noticias aterradoras,
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