Mas ai, ó soldado!
Ó triste alienado!
Por mais exaltado
Que o toque reclame,
Ninguem que te chame...
Ninguem que te
ame...
Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei-de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro...
Lançal-o ao mar.
Quem vae embarcar, que vae degredado...
As penas do amor não
queira levar...
Marujos, erguei o cofre pesado,
Lançae-o ao mar.
E hei-de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre sellado.
A sete chaves: tem dentro uma carta...
--A ultima, de antes do teu
noivado.
A sete chaves,--a carta encantada!
E um lenço bordado... Esse
hei-de-o levar,
Que é para o molhar na agua salgada
No dia em que
emfim deixar de chorar...
CREPUSCULAR
Ha no ambiente um murmurio de queixume,
De desejos de amor,
d'ais comprimidos...
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se
esmorecer como um perfume.
As madre-silvas murcham nos silvados
E o arôma que exhalam pelo
espaço,
Tem delíquios de gôso e de cansaço
Nervosos, femininos,
delìcados.
Sentem-se espasmos, agonias d'ave,
Inaprehensiveis, minimas,
serênas...
--Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas.
O meu
olhar no teu olhar suave.
As tuas mãos tão brancas d'anemia...
Os teus olhos tão meigos de
tristeza...
--É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim
do dia.
Se andava no jardim,
Que cheiro de jasmím!
Tão branca do luar!
. . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . .
Eis tenho-a junto a mim.
Vencida, é minha, emfim,
Após tanto a
sonhar...
Porque entristeço assim?...
Não era ella, mas sim
(O que eu quiz
abraçar),
A hora do jardim...
O aroma de jasmim...
A onda do luar...
Depois das bodas de oiro,
Da hora promettida,
Não seí que mau
agoiro
Me ennoiteceu a vida...
Temo de regressar...
E mata-me a saudade...
--Mas de me recordar
Não sei que dôr me invade.
Nem quero prosseguir,
Trilhar novos caminhos,
Meus pobres pés,
dorir,
Já roxos dos espinhos.
Nem ficar... e morrer...
Perder-te, imagem vaga...
Cessar... Não
mais te vêr...
Como uma luz se apaga...
O meu coração desce,
Um balão apagado...
--Melhor fôra que
ardesse,
Nas trevas, incendiado.
Na bruma fastidienta,
Como um caixão á cova...
--Porque antes não
rebenta
De dôr violenta e nova?!
Que apêgo ainda o sustem?
Atomo miserando...
--Se o esmagasse o
trem
D'um comboio arquejando!...
O inane, vil despojo
Da alma egoista e fraca!
Trouxesse-o o mar de
rojo
Levasse-o na ressaca.
Chorae arcadas
Do víôloncello!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se
despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudaes de chôro...
Que ruinas, (ouçam)!
Se se
debruçam,
Que sorvedouro!...
Trémulos astros...
Soidões lacustres...
--Lemes e mastros...
E os
alabastros
Dos balaustres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
--Chorae arcadas,
Despedaçadas,
Do viôloncello.
AO LONGE OS BARCOS DE FLORES
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viuva, gracil, na escuridão
tranquilla,
--Perdida voz que de entre as maís se exila,
--Festões de
som dissimulando a hora.
Na orgia, ao longe, que em clarões scintilla
E os labios, branca, do
carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viuva,
gracil, na escuridão tranquilla.
E a orchestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detem. Só
modulada trila
A flauta flebil... Quem ha-de remil-a?
Quem sabe a
dôr que sem razão deplora?
Só, incessante, um som de flauta chora...
EM UM RETRATO
De sob o cómoro quadrangular
Da terra fresca que me ha-de inhumar,
E depois de já muito ter chovido,
Quando a herva alastrar com o
olvido,
Ainda, amigo, o mesmo meu olhar
Ha-de ir humilde, atravessando o
mar,
Envolver-te de preito enternecido,
Como o de um pobre cão
agradecido.
Voz debil que passas,
Que humilima gemes
Não sei que
desgraças...
Dir-se-hia que pedes.
Dir-se-hia que tremes,
Unida ás paredes,
Se vens, ás escuras,
Confiar-me ao ouvido
Não sei que amarguras...
Suspiras ou fallas?
Porque é o gemido,
O sopro que exhalas?
Dir-se-hia que rezas.
Murmuras baixinho
Não sei que tristezas...
--Ser teu companheiro?
Não sei o caminho.
Eu sou estrangeiro.
--Passados amores?--
Animas-te, dizes
Não sei que terrores...
Fraquinha, deliras.
--Projectos felizes?--
Suspiras. Expiras.
Na cadeia os bandidos presos!
O seu ar de contemplativos!
Que é
das feras de olhos acesos?!
Pobres dos seus olhos captivos.
Passeiam mudos entre as grades,
Parecem peixes n'um aquario.
--Campo florido das Saudades
Porque rebentas tumultuario?
Serenos... Serenos... Serenos...
Trouxe-os algemados a escolta.
--Extranha taça de venenos
Meu coração sempre em revolta.
Coração, quietinho... quietinho...
Porque te insurges e blasfemas?
Pschiu... Não batas... De vagarinho...
Olha os soldados, as algemas!
FINAL
Ó cores virtuaes que jazeis subterraneas,
--Fulgurações azues,
vermelhos de hemoptyse,
Represados clarões, chromaticas vesanias--,
No limbo onde esperaes a luz que vos baptise,
As palpebras cerrae, anciosas não veleis.
Abôrtos que pendeis as frontes côr de cidra,
Tão graves de scismar,
nos bocaes dos museus,
E escutando o correr da agua na clepsydra,
Vagamente sorris, resignados e atheus,
Cessae de cogitar, o abysmo não sondeis.
Gemebundo arrulhar dos sonhos não sonhados,
Que toda a noite
erraes, doces almas penando,
E as azas laceraes na aresta dos telhados,
E no vento expiraes em um queixume brando,
Adormecei. Não suspireis. Não respireis.
End of the Project Gutenberg EBook of Clepsydra, by

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