Cintra

Mário Beirão
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Title: Cintra
Author: Mário Beirão
Release Date: August 31, 2007 [EBook #22468]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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Produced by Vasco Salgado
MÁRIO BEIRÃO
CINTRA
Edição da
Renascença Portuguesa
Pôrto--1912
CINTRA
DO AUTOR
_O Último Lusíada_ (no prelo)
MÁRIO BEIRÃO

CINTRA
Edição da
_Renascença Portuguesa_
Pôrto--1912
A Teixeira de Pacoaes
Oh Pena, altar de nuvens sobre a Serra,
Paço de sombras reaes, feito
em granito
E seculos de Azul,--olhando a Terra
Das janelas que
ogivam o Infinito!
Oh vôo das florestas que se esfólham,
Tontas de ceus, fragancia!

Oh tardas sombras rôxas da Distancia!
Ruinas--noite donde as aguias
ólham!
Oh cedros esmanchando as ramarias,
Afofando penumbras!

Crepusculos longinquos de arcarias!
Agua que, ao pôr-do-sol, és
múrmura e deslumbras,
Que deslumbras meus olhos, meus ouvidos,

E, incerta de gemidos,
Vaes esculpindo a diafanos lavôres
As
pedras onde o sol desmaia e verte côres!
Oh paizagem do Ceu! Cintra! Visão suprema!
Architectura dos
accordes dum poëma!
Em ti as mãos do Vento em furia batalharam!

O Genio e a Lenda para alem te perpetuaram!
Oh Graça que desceste á Terra por encanto,
Granitos que, ao luar,
sois brancos alabastros,
Ramos verdes, á noite, onde estremecem
astros,
Meu canto vem de vós, é para vós meu canto!
Fraguedos, serrania,
Do alto de vós olhando,
Tolhidos de invernia,

Alados de neblinas!
Nos longes acenaes, noctivagos, em bando,

Franjas, espuma vaga de cortinas,
Aereas e nevadas,
Farrapos onde
a Noite esconde as madrugadas...
Oh figuras dum drama subterraneo,
Gelidas do pavor das sombras

que repassam!
Fragas, espectros vãos, que a um rasgo momentaneo,

O vento esculpe e os raios despedaçam!
E ao longe o Mar é um canto de epopeia
Memorando naufragios...
Profundo ferve, anceia,
Livido estagna, e sonha, e pára no caminho!

Eis que numa revolta, amargo de presagios,
Lavra de espuma e
som visões em desalinho,
Rasga o pano da Noite e, monstro de aguas,
uiva,
E tomba doido a rir, sobre os areaes, exhausto...
A areia escalda ao sol... Ignea de sede ruiva,
Mina-se de agua e Azul,
absorve o mar num hausto!
Oh Cintra, rente ao Ceu, o Mar te afaga,
Floresces em murmurio, em
halitos de vaga...
De ti eu dominei, varei os horisontes,
Estou cansado já, fui Jupiter na
Terra!
Nas tuas fontes,
Onde um crepusculo erra
E o ar é de
abandono,
Que eu fosse o musgo em sombra verdecendo,
A voz de
longe e Outomno,
Baixinho fenecendo...
Fosse a humildade!
Os humidos recantos
Onde a sombra se esquece,
incerta de saudade,
E a chuva cae em prantos...
Fosse o tronco musgoso, enverrugado,
Onde--lembrança eterna,

Um coração se vê de setas trespassado!
Fosse a Elegia do Ar quando o Ar inverna,
Rumôres de agua,
queixas...
...Mansa, como rezando,
"--Porque me deixas!"
Como que a
Sombra diz no seu silencio frio
Á fonte de esquecida memorando,

Lucilante de lagrimas a fio...
Ah, pudesse eu viver pela espessura
Dos bosques rumorosos,
Ás
horas em que a Sombra as coisas transfigura!
Ser o Outomno, o

crepusculo, a harmonia
Das aves cuja voz é um halito de luz
De
poentes que morrem de saudosos!
Vestir os troncos nus,
Chorar
melancholia...
Á tarde quando a luz penumbras vem rezando
A Fórma é Apparição,

Ha lagrimas de Azul as almas orvalhando,
A Côr é emanação...
Tudo se transfigura:
Ha paizagens, scenarios pela Altura!
Eu deixo de existir
Para mais dentro em mim viver, sentir...
É a hora transcendente
Em que o Passado surge evocador do escuro,

E, soffrego, o Presente
Dissolve a nevoa do Futuro.
Oh Pena ao alto erguida,
Recortada na sombra--aza de aguia perdida,

Nas rochas esfarpando-se!
Nuvem numa outra nuvem
evolando-se...
Oh Cintra, ao poente, a fumos de viuvez,
Subindo num adeus,

Chymerica de longe a Terra já não vês:
É uma ancia de Infinito a que
te abraza,
Oh verde forma de aza
Com fremitos de ceus!
Oh Cintra és já distancia
Na communhão dos astros!
Teus granitos
transformam-se: alabastros,
De brancos a rezar... Ideal sonancia!
E, eu que vivi em ti, rezo comtigo,
Eu, o incerto, miserrimo mendigo,

Trago nos olhos tristes pedrarias,
Astros radiando pallidos fulgores,

Desmaios de harmonias,
No concerto mais intimo das côres.
E a Noite escuta, empallidece,
Um murmurio de voz esvoaça numa
prece:
Flébil, o ar magoando,
Idillios suspirando,
Duma estrella que nasce
ao por-do-sol
O canto chóra... lagrimas sem fim!
A alma dum rouxinol
Sonha com Bernardim.

E desfez-se, apagou-se
Em ondas de saudade--o olor mais doce...
Subito, heroico de saudades,
Um canto accorda, funde o bronze das
Edades!
Oh canto pela noite, em prantos marulhado,
Memoria em cujo olor ha
mortas primaveras,
Pelos astros, o Espaço cadenciado,
Ungido pela
benção das Esferas,
Falas da minha raça, dos profetas
Invectivando
o Mar,
De moiros pela areia, cujas setas
Eram menos mortiferas que
o olhar!
Oh rithmo das oitavas
Nas veias do meu sangue a tumultuar!
Oh
lyra de Camões, accordes de ondas bravas!
E, bronzea a voz sucumbe: os ceus ficam arfando,
Reboando,
echoando...
Mas a candura, a graça do sorriso,
De quem vive a morrer,
E tem no
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