que Fernão Lopes se serviu ou que se serviram d'elle, mas como já
disse n'outra publicação, a nossa Bibliotheca não pôde ainda entrar na
tentativa das edições criticas e por isso estes pequenos prefacios não
devem ensaiar essa feição que os levariam longe.
Nem mesmo podemos dar do author mais do que uns breves traços
dispersos que aliás se encontram facilmente em publicações muito
accessiveis.
Fernão Lopes nasceu não se sabe onde, ainda no seculo 14.°, parece,
como diz Herculano, que pouco antes ou durante--«a gloriosa
revolução de 1380,»--sendo collocado por Dom João I, juncto d'algum
ou d'alguns dos filhos. Em 1418 confiou-lhe o Rei de Boa Memoria, a
guarda e serviço,--constituido então independente,--da--«torre do
castello da cidade de Lisboa,»--a primitiva Torre do Tombo.
Ali começou a fazer-se entre as--«escripturas»--dos velhos e modernos
tempos, o grande historiador, a quem Dom Duarte por carta de 19 de
março de 1434,--isto é por uma das suas primeiras iniciativas de Rei,
dava--«carrego de poer em caronyca as estorias dos reys que
antigamente em Portugal foram»,--com 6$000 reis de tença annual, uns
escassos 60$000 de hoje. No cargo o confirmou o cavalleiroso Affonso
V por Carta de 5 de junho de 1449.
Teve uma longa vida Fernão Lopes, sendo em 1455 substituido por
Gomes Eannes de Azurara que, briosamente e sem favor, lhe
chama:--homem de communal (descomunhal) sciencia e authoridade.»
Fez-se a substituição--«por seu prazimento e por fazer a elle mercê
como é rasom de se dar aos boõs servidores,»--sendo--«já tão velho e
fraco que por si non podia bem servir»--e sobrevivendo ainda, 5 annos,
pelo menos.
Andaria nos 80.
É uma complicada questão, a de ter Fernão Lopes escripto outras
chronicas além das que teem logrado chegar, sob o seu nome, até nós, e
a de se terem outros escriptores apropriado, mais ou menos de trabalhos
d'elle. As conhecidas são a de Pedro I que vamos republicar, a de Dom
Fernando, e a de João I. Como diz, justamente, Herculano:--«para a
gloria de Fernão Lopes são monumentos sobejos»--estes tres
monumentos.
Mas que pena que não tenhamos d'elle a historia d'aquelle--«grande
desvayro»--dos amores de Ignez de Castro e que a gentil figura nos
apareça apenas como uma obsessão cruel do extraordinario monarcha
que procurara já distrahir-se um pouco nos braços de Theresa Lourenço,
a bemaventura mãe de Dom João I.
_L. C_.
Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal
*PROLOGO*
Deixados os modos e definições da justiça, que, por desvairadas guisas,
muitos em seus livros escrevem, sómente d'aquella para que o real
poderio foi estabelecido, que é por serem os maus castigados e os bons
viverem em paz, é nossa intenção, n'este prologo, muito curtamente
falar, não como buscador de novas razões, por propria invenção
achadas, mas como ajuntador, em um breve mólho, dos ditos de alguns
que nos aprouveram. Á uma, por espertar os que ouvirem, que
entendam parte do que fala a historia; á outra, por seguirmos
inteiramente a ordem do nosso arrazoado, no primeiro prologo já
tangida.
E porquanto el-rei Dom Pedro, cujo reinado se segue, usou da justiça,
de que a Deus mais praz que cousa boa que o rei possa fazer, segundo
os santos escrevem, e alguns desejam saber que virtude é esta, e pois é
necessaria ao rei, se o é assim ao povo: vós, n'aquelle estilo que o
simplesmente apanhámos, o podeis lêr por esta maneira.
Justiça é uma virtude, que é chamada toda virtude; assim que qualquer
que é justo, este cumpre toda virtude; porque a justiça, assim como lei
de Deus, defende que não forniques nem sejas gargantão, e isto
guardando, se cumpre a virtude da castidade e da temperança, e assim
podeis entender dos outros vicios e virtudes.
Esta virtude é mui necessaria ao rei, e isso mesmo aos seus sujeitos,
porque, havendo no rei virtude de justiça, fará leis por que todos vivam
direitamente e em paz, e os seus sujeitos sendo justos, cumprirão as leis
que elle puzer, e cumprindo-as não farão cousa injusta contra nenhum.
E tal virtude, como esta, póde cada um ganhar por obra de bom
entendimento, e ás vezes nascem alguns assim naturalmente a ella
dispostos, que com grande zelo a executam, posto que a alguns vicios
sejam inclinados.
A razão por que esta virtude é necessaria nos subditos, é por cumprirem
as leis do principe, que sempre devem de ser ordenadas para todo bem,
e quem taes leis cumprir sempre bem obrará, cá as leis são regra do que
os sujeitos hão de fazer, e são chamadas principe não animado, e o rei é
principe animado, porque ellas representam, com vozes mortas, o que o
rei diz por sua voz viva: e porém a justiça é muito necessaria, assim no
povo como no rei, porque sem ella nenhuma cidade nem reino pode
estar
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