Chronica de el-rei D. Affonso V | Page 7

Rui de Pina
lhe offereceram seus presentes, de cousas que sua idade e tempo requeriam. Mas para d'outrem algum n?o receber nada, salvo d'El-Rei, teve as m?os t?o castigadas, como as fez soltas em dar e fazer grandes mercês a aquelles que semelhantes cousas lhe apresentavam, ainda que com ellas se tornassem, e d'esto se escusava com tanta humildade e cortezia, que bem parecia que n?o era por algum vicio de presump??o que n'elle coubesse.
E assi com sua gente na ordenan?a em que f?ra, e com bandeiras tendidas se tornou a Portugal e entrou por Bragan?a, e na villa d'Aveiro achou El-Rei e com elle o Infante seu padre, d'onde despediram os fidalgos e a gente que com elle f?ra, dando pelo servi?o que fizeram muitos aguardecimentos com as mercês que cada um por sua confiss?o merecia, e isto passou no anno de mil e quatrocentos e quarenta e cinco.

CAPITULO LXXXVI
De como o Regente fez c?rtes geraes, em que leixou a El-Rei a primeira vez o Regimento do Reino, segundo era obrigado, e como El-Rei lh'o tornou a dar
E consirando o Regente, como para o Janeiro do anno que logo entrava de mil e quatrocentos e quarenta e seis, El-Rei D. Affonso cumpria idade de XIV annos, em que, segundo f?ro d'Espanha, qualquer Principe Real deve haver inteira posse e administra??o de seu reino e senhorio, e lembrando-se isso mesmo da obriga??o em que por sua fé e juramento ficara de a este tempo livremente lhe entregar o reino, querendo inteiramente assi cumprir, fez para isso c?rtes geraes e solemnes em Lisboa, e na salla grande dos pa?os, sendo El-Rei com os Infantes e senhores, e seus officiaes e procuradores, em sua costumada e antiga ordenan?a, o doutor Diogo Affonso Mangancha, em nome do Infante D. Pedro, fez uma louvada ora??o, cuja sustancia se concludio em quatro cousas.
?A primeira, apresentar e entregar alli El-Rei em tal disposi??o de sua pessoa, siso e entender, manhas e virtudes, como de sua edade n?o cria que no mundo outro tal houvesse; porque dava e dessem todos muitas gra?as a Deus. A segunda, que no regimento do reino que todos lhe deram, como quer que para o bem fazer, elle com todas suas for?as, entender, e diligencia fizera muito a além do que podera; porém que pelo grande trabalho, que em nome d'outrem era reger, especialmente em tempos de tantos desvairos e balan?os como no seu se seguiram, elle confessava tel-o feito muito áquem do que devia, de que pedia perd?o. A terceira, em dar aguardecimentos áquelles, que no tal caso bem e lealmente serviram e ajudaram, guardando nas palavras o acatamento, mais e menos, segundo cabia nas calidades das pessoas e estados do reino que eram presentes. A quarta conclus?o foi, que em caso que n?o f?ra direito nem costume aos Principes de t?o pequena edade, como eram a quatorze annos dar-se livre poder de per si regerem reinos e senhorios, que a El-Rei seu Senhor vista em todo sua perfei??o, por gra?a especial lhe devia ser dado, como a outro que fosse de muitos mais dias. E que para isso lhe entregava alli mui livremente, e sem cautella, seu Regimento.? Metendo-lhe logo com rostro mui alegre a vara da justi?a nas m?os, que em giolhos e com muito acatamento lhe beijou.
E depois d'El-Rei ser recolhido á sua camara, onde era o Infante D. Fernando, seu irm?o, e o Infante D. Anrique, seu tio, com outros muitos senhores, o Infante D. Pedro, praticando com elle a maneira que d'hi em diante teria em reger, El-Rei depois de bem ouvir, lhe pediu que até vêr o que n'isso poderia fazer, elle inteiramente mandasse e fizesse em seu nome o que d'antes fazia; porque receava de per si só sem sua ajuda ou d'outrem n?o poder com tamanho cargo.
E de hi a tres dias se fez na ordenan?a passada outro ajuntamento, em que o mesmo doutor Diogo Affonso em nome d'El-Rei fez outra falla, porque sustancialmente se declarou ?que havia por recebido em si do Infante D. Pedro seu tio e padre o inteiro regimento de seu reino, dando-lhe, por isso com largo recontamento de seus muitos servi?os e merecimentos, grandes agardecimentos com muitos seus louvores, outorgando-lhe n?o sómente auctorisadas quita??es de todo o tempo de sua governan?a; mas ainda por maior sua honra, que ficasse em registo por verdadeiro e claro testemunho, da obriga??o em que por isso ficava a elle e a seus filhos, com todolos que d'elles descendessem; porque conhecia e declarava que nunca algum Principe f?ra no mundo com tanto amor e em tanta perfei??o criado, nem em manhas e costumes reaes t?o bem ensinado, nem com tanta lealdade e obediencia servido e tratado, como elle sempre f?ra do Infante D. Pedro seu tio e padre; porém porque elle ainda n?o tinha idade para
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