que principio nos est?o aqui a imp?r o servi?o militar, o exercito, as barreiras, as alfandegas, o funccionalismo e a lista civil?
Se o Estado existe, o que �� para elle o lnundado? O Inundado �� o productor e �� o contribuinte. Agricultando o seu campo, creando o cavallo, engordando o boi, creando o porco, tosquiando a ovelha, pisando a azeitona, podando a cepa, descaseando o sobreiro, o Inundado desde tempos immemoraveis que n?o faz mais do que estas duas coisas: produz e paga.
N��s outros, habitantes do Chiado, assignantes de S. Carlos, socios do Gremio e do Club, frequentadores do Martinho e do Passeio Publico, n��s, republicanos, regeneradores ou granjolas, commendadores de Christo e mesarios da confraria das Chagas, n��s outros n?o produzimos e por conseguinte, em rigor, tambem n?o pagamos.
Funcionnerios publicos, capitalistas, banqueiros, ministros, oradores, poetas lyricos, jogadores na bolsa, proprietarios de predios, vendedores de bilhetes de loteria, consumidores insaciaveis de charutos, de copos de cerveja, de dobrada com hervilhas e de bolos de especie,--n��s, francamente, n?o produzimos coisa nenhuma qae signifique dinheiro, isto ��, trabalho crystalisado, obra, ou, por outra, valor. Somos apenas--mais ou menos legitimamente--os usufrutuarios, os administradores officiosos ou officiaes do dinheiro dos outros.
Portanto, como acima dissemos, n��a outros, como n?o produzimos, em rigor tambem n?o pagamos. Aquillo que alguns suppomos pagar �� apenas uma parte que se nos deduz n'aquillo que recebemos. Quem em ultima analyse vem a pagar �� unica e simplesmente o Inundado, queremos dizer o productor, o que planta o trigo, o bacelo, a oliveira e o sobro, o que cega a cevada e apanha a bolota, o que carda a ovelha, cria o boi, o cavallo, o porco e o carneiro, o que d�� a corti?a, o mel, a cebola, o p?o, o vinho, o azeite, o sal, o figo, a amendoa e as laranjas.
�� elle, o Inundado, quem at�� hoje tem pago o subsidio de S. Carlos, as carruagens dos ministros, os cavallos dos correios de secretaria, as purpuras dos nossos reis, as toilettes das nossas dan?arinas, os penachos do nosso exercito, a campainha e o copo d'agua dos nossos parlamentos, finalmente toda a despeza de administra??o, de pompa, de luxo e de for?a, cujo conjuncto constitue a coisa chamada o Estado.
Como foi que o Estado resolveu o Inundado a pagar-lhe as suas contas? O Estado resolveu-o fazendo-lhe o seguinte discurso:
Inundado! Voc�� trabalha como um boi de nora, o que o n?o impede de ser um infeliz e um estupido. Eu sou o Estado. Proponho-me dar-lhe a felicidade material, intellectual e moral, cujos elementos lhe faltam, e que v. n?o sabe nem p��de constituir sem mim. Voc�� n?o sabe l��r nem escrever, voc�� n?o sabe trabalhar, n?o sabe prev��r, n?o sabe economisar. Voc�� n?o nem a escola rural, nem a biblioteca rural, nem a policia rural, nem o banco rural. Voc�� n?o tem a granja modelo que lhe ensine os novos processos agricolas e lhe empreste as grandes machinas de trabalho. Voc�� n?o tem arborisa??o nos seus montes nem canalisa??o nos seus rios. Para o dotar com todos esses instrumentos de aperfei?oamento e de prosperidade, arranjei-lhe eu um systema, que se chama o systema monarchico-representativo, com uma carta, um rei, e doze homens, sendo seis ministros e seis correios a cavallo, um parlamento, composto de duas camaras, uma electiva e outra hereditaria. Quer voc�� ou n?o quer a civilisa??o? Se a quer, aceite o meu systema e eleja um deputado que v�� �� minha camara electiva pedir por boca em seu nome tudo o que voc�� appete?a. Em troca d'este enorme servi?o que eu lhe presto ha de voc�� resignar-se a pagar-me um imposto annual, que eu c�� mandarei cobrar pelo escriv?o de fazenda, e cuja importancia applicarei a regalal-o e a divertil-o summamente com um exercito, uma c?rte, um sceptro, varias duzias de reparti??es publicas, um theatro, um Diario das Camaras, um arsenal, uma cordoaria, uma imprensa, etc., etc.
O Inundado come?ou desde ent?o a pagar e o estado come?ou a dispender. Ha perto de cincoenta annos que dura esta troca de servi?os. O Inundado, por��m, ainda at�� hoje n?o p?de obter nem a escola pratica, nem a bibliotheca, nem a granja, nem os novos instrumentos agricolas, nem as grandes machinas para a lavoura a vapor, nem a arborisa??o, nem os trabalhos hydraulicos no rio.
Um bello dia, um temporal rebenta, as aguas das chuvas, sem florestas que as espongem, sem valas que sangrem a torrente, desabam de chofre no rio, este trasborda por cima de velhos diques em ruina, alaga as povoa??es, invade as casas, e deixa o Inundado entregue �� nudez, �� desola??o e �� fome.
O Inundado pede ent?o a alguem que em seu nome exponha ao Estado a situa??o em que elle se acha:
* * * * *
Excellentissimo Estado e meu amigo.--Ha cincoenta annos que para aqui me acho,
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