As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes | Page 3

Ramalho Ortigão
seja levado ás plantas do poder moderador, para que sua magestade haja por bem resolver como lhe approuver esta passageira crise. Fa?o votos por que o sr. Presidente do conselho se apresse em p?r ao servi?o da na??o um novo dente.?
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Approvada unanimemente a eloquente proposta do sr. Assump??o, o sr. Presidente do conselho recolheu-se a sua casa a tomar bochechos emolientes emquanto o resto do ministerio partia para o Pa?o a levar ao soberano o dente resignatario.
Constou pelos jornaes quo apenas recebera o dente sua magestade se dirigira a casa do sr. presidente do conselho, com o qual teve uma entrevista de duas horas. Estas duas horas foram empregadas pela cor?a em procurar reintegrar, pelas suas proprias m?os, o dente caído na maxilla do illustre estadista.
Diz-se que a cor?a, suando em bica, esgotára, para consolidar o dente caído no seu logar primitivo, todos os meios compativeis com as disposi??es do codigo fundamental da monarchia. Sua magestade tentára fixar o dente ao chefe do gabinete com obreias, com adhesivo, com lacre, com pez, com gomma arabica, com barbante, com alfinetes e com pregos.
O dente reagiu a todas as reaes instancias: o excelso politico, em cujo queixo inferior elle se firmára durante cinco annos de gerencia governativa n?o queria mais a confian?a da cor?a, queria unicamente cosimento de malvas.
O monarcha lavrou ent?o o decreto mandando o seu antigo ministerio bochechar, e encarregou o sr. marquez de Avila e Bolama de reunir com os seus amigos o numero de dentes necessarios para formar uma gerencia duradoura e firme.
D'este encargo se desempenhou o sr. marquez com o zelo que o caracterisa, e o actual ministerio nasceu.
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Um dos nossos mais distinctos amadores, o sr. Luiz de Campos, acaba de dotar o theatro de D. Maria com um drama, cujo exito constitue o maior triumpho modernamente alcan?ado pelas letras portuguezas.
N?o só os jornaes todos consagraram a esta obra louvores emittidos com uma energia desusada, mas até a alta sociedade, de ordinario t?o parcimoniosa de curiosidade dispendida com a arte, patrocinou com especial favor esta pe?a. O auctor teve a gloria de ver os seus finaes d'acto applaudidos do fundo dos primeiros camarotes pelas m?os mais aristocraticas. Nas situa??es patheticas do seu assumpto lagrimas illustres sulcaram o pó d'arroz com que se perfumam os braz?es das mais nobres e distinctas familias. Finalmente no fim do espectaculo o Poder Moderador, que assistira á representa??o em companhia da sua familia, expediu um dos seus camareiros, o qual foi ao palco cumprimentar o laureado dramaturgo, pedir-lhe desculpa de lhe n?o pingar do alto do throno sobre o peito da casaca a commenda de S. Thiago, e entregar-lhe em vez das insignias d'essa ordem excelsa e em nome do referido Poder um cofre com uma pedra preciosa, que os jornaes do outro dia pela manh? almota?aram em 1:500$000 réis.
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O drama do sr. Luiz de Campos intitula-se Leonar de Bragan?a e encerra a historia d'aquella desditosa, cuja mocidade e belleza feneceram de subito, surprehendidas no ventre por trez facadas com que a brindou seu esposo, o mui nobre e poderoso duque de Bragan?a, um dos antepassados do Poder que hoje nos rege, e ao qual, bem como á sua familia, acima tivemos a honra de reportar-nos submissa e respeitosamente.
O pretexto sob o qual D. Jayme damnificou com instrumento perfurante o abdomen de sua mulher foram os amores d'esta com o pagem Antonio Alcoforado.
Existiram effectivamente esses amores? Era a duqueza realmente culpada de uma fraqueza anormal pelos pagens? Era Alcoforado um honesto e leal servidor do principe D. Theodosio, ou era uma ratoeira vil de duquezas incautas?
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Ha duas opini?es ácerca do modo de considerar no theatro a natureza d'este facto.
Na sua Leonor de Bragan?a, escripta em prosa, o sr. Luiz de Campos entende que a duqueza é innocente. Na sua Leonor de Bragan?a, escripta em verso, o sr. Alfredo Ansúr julga a duqueza culpada.
Os fados, que t?o propicios foram á obra do festejado sr. Campos, trataram adversamente a obra n?o menos estimavel do malogrado sr. Ansúr. Julgamos do nosso dever protestar contra esta dura injusti?a pondo em cotejo as duas composi??es a que deu origem a tragica aventura de Leonor.
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No drama do sr. Luiz de Campos a culpa toda do nojoso sarrabulho perpetrado por D. Jayme está unicamente, segundo diz o sr. Campos, em haver o pagem um cora??o. O sr. Luiz de Campos emprega constantemente haver em logar de ter, n?o só nos casos em que esse verbo é usado como auxiliar mas ainda quando se toma na accep??o de possuir. Acatamos discretamente as ras?es de pundonor e de dignidade que possam ter levado este cavalheiro a cortar as suas rela??es pessoaes com o verbo ter. O simples depoimento do verbo haver,
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