devéras,
Teu amo e protector
O Estado.
P. S. O bom amigo Luiz de Campos recommenda-se-te muito e manda
perguntar-te como gostas mais da caridade, se escripta á latina com _c a,
ou á grega com c h a_.
* * * * *
Diz-se geralmente--e parece-nos util fixar este boato como um
symptoma da epoca--que sua magestade a rainha fôra aconselhada e
guiada em todos os tramites da sua intervenção a favor do Inundado por
um personagem já hoje eminentemente poderoso, mas ao qual os
recentes conselhos a sua magestade vão dar um novo grau de
importancia culminante e unica na governação publica. Será
perfeitamente legitima essa importancia. Se effectivamente houve um
homem sufficientemente sagaz para se conservar na sombra e para
suggerir a sua magestade a rainha a idéa profunda de apparecer ella,
unica e exclusivamente, a debellar unma catastrophe publica, esse
homem fez aos partidos conservadores em Portugal um servigo
incomparavel e deu uma prova de pericia e de habilidade que nunca se
egualou e que se não póde exceder.
Como se sabe, os partidos conservadores não têem idéas, não podem e
não devem tel-as; os que por excepção as produzem commettem um
erro fatal e são victimas do seu proprio acto. Em todo o statu quo toda a
idéa nova é um rombo. Quem no poder tem idéas, afunde-o. Nos
regimens conservadores, como o que vigora em Portugal desde muitos
annos, as idéas são erupções revolucionarias extranhas á acção
governativa. A missão dos que governam não é lançar na circulação
essas idéas, mas sim e unicamente vigiar o systema, como se vigia a
couraça de um monitor em batalha naval, e sempre que uma idéa
penetre, rolhar o furo e disciplinar em seguida o elemento novo
introduzido a bordo pelo projectil inimigo.
Aos governos conservadores não se pedem por conseguinte idéas:
pedem-se expedientes. Expedientes para quê? Para conservar. Como?
Por todos os meios que produzam este resultado:--a consolidação do
que está.
É de dentro d'esta theoria, que encerra toda a sciencia de governar, que
nós dizemos: os conselhos a sua magestade a rainha, se alguem
effectivamente lh'os deu (cremos que sim e diremos já porque) são o
acto mais sabio, porque esse acto faz recair no assumpto o expediente
mais adequado e mais proficuo.
Se o governo procurasse directamente estudar e resolver o problema da
inundação, que succederia? A opposição contraditava-o. Na imprensa e
na camara os partidos dissidentes discutiriam as medidas ministeriaes,
controvertel-as-hiam, impugnal-as-hiam com argumentos, com
sarcasmos, com insultos. Quem sabe se o governo assim batido
tenazmente de bombordo e estibordo não acabaria por metter agua,
iniciando um simulacro de alguma coisa parecida ainda que
remotamente, com uma idéa?!
Que aconteceu, porém, em vez d'isso?
Sua magestade a rainha, disse-se, toma a iniciativa de todos os
soccorros ás victimas da inundação. E sobre esta noticia publicada em
grandes letras nos jornaes da manhã, o governo foi para a camara,
cruzou os braços e esperou corajosamente que a representação nacional
se manifestasse. Então a opposição em peso, composta dos srs. Barros e
Cunha, Osorio de Vasconcellos e Pinheiro Chagas, pediu a palavra pela
bocca dos seus oradores.
O sr. Osorio de Vasconcellos disse:--«Partiu de alto a iniciativa; partiu
de uma illustre senhora, de sua magestade a rainha. Pois
congratulemo-nos com o paiz inteiro; congratulemo-nos com este
sentimento homogeneo de caridade manifestado por todos os cidadãos
sem distincção de classe e que veio em allivio e amparo da miseria, que
é geral (apoiados) do soffrimento que é grande; das amarguras que são
immensas... O nosso paiz foi sempre reconhecido pelos impulsos da
caridade... Se porventura do alto do Golgotha o Divino Mestre, etc.,
etc.»
O sr. Barros e Cunha:--«Mando para a mesa a seguinte proposta que
espero seja desde já votada por acclamação: A camara prestando a
caridosa iniciativa de que sua magestade a rainha houve por bem usar
em beneficio das victimas das inundações a homenagem que lhe deve
em nome do povo que representa, resolve que este voto seja lançado na
acta das suas sessões, e que uma grande deputação deponha aos pés da
augusta princeza o tributo do seu reconhecimento.»
O sr. Pinheiro Chagas, (fallando comsigo mesmo)--«Trago tambem
aqui uma proposta da mensagem a sua magestade, feita com tanto
patriotismo como a de Barros e Cunha e com mais grammatica. Visto,
porém, que a camara approvou a d'elle, vou pôr a minha em verso e
levo-a para o Gymnasio. Tenho concluido.»
E na camara dos srs. deputados, onde o governo poderia ter sido
violentamente e perigosamente accusado pela sua cumplicidade nos
effeitos da inundação, os unicos tres deputados da opposição que n'este
dia se achavam na sala não tiveram voz senão para louvar a caridade,
para citar o Golgotha e para convidar uma grande commissão a ir depôr
nos degraus do solio os testemunhos mais
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