gallo na testa e com os braços cruzados no peito.
Um momento depois, como os trez pedagogos comparecessem á real
presença, enrolados á pressa nas togas do professorado, de barretes de
dormir, com as competentes pennas de pato aparadas da vespera e
mettidas atraz das orelhas, o rei disse-lhes:
--Esse jumento que ahi está, (e estendendo o seu dedo magnimo, com
um largo gesto antigo indicava o principe, vestido de general, de
esporas e chapeu armado, que bocejava encostado ao sabre de seus
antepassados) esse real jumento ignora completamente os deveres mais
rudimentares de um principe para com a sua princeza. E é para isto que
eu tenho tido aqui á engorda durante quinze annos tres burros de tres
mestres!... Ora muito bem: vou deixar-vos a sós por espaço de cinco
minutos com tão repulsivo idiota. Se ao cabo de cinco minutos,
contados pelo relogio, elle não estiver ao facto d'aquillo que todo o
homem de barbas na cara deve saber para não vir para aqui a estas
horas nanar n'uma cadeira, decapito-vos a todos trez esta noite como
quem decapita pelo entrudo tres perus gordos e emborrachados!
Uma vez a sós com o real alumno, os tres pedagogos cahiram em
desfeito pranto nos braços uns dos outros, porque nenhum d'elles sabia
nem se lembrava de haver jámais lido nos auctores coisa alguma
relativa aos deveres mais rudimentares dos principes para com suas
princezas.
Quando vossa alteza se dignar de passar um exame sobre esta materia
aos seus pedagogos, pedimos, senhor, e ousamos esperar da vossa
clemencia, que a pena ultima lhes seja commutada.
Piedade, principe, piedade!
Quer vossa alteza mais provas da desinteressada solicitude com que
_As Farpas_ teem sempre velado com diurno e nocturno olho sobre o
prestigio de tudo quanto mais directamente se relaciona com a sua
pessoa, com a sua familia, com a sua côrte?...
Compulse vossa alteza essa collecção immarcescivel e a cada momento
encontrará n'ella os conselhos mais amigaveis e mais justos, sobre as
maneiras, sobre a toilette, sobre a linguagem, sobre a etiqueta do
palacio; acerca dos discursos da corôa, dos uniformes, das librés, dos
cavallos, das carruagens, dos bailes, dos jantares, das viagens, das
caçadas, das recitas de gala, das revistas militares, etc.
Quem foi que mais ardentemente pugnou para que não pegasse a vossa
alteza e a seu augusto irmão a alcunha piegas dos cabeças louras e dos
louras creanças, que lhes puzeram os noticíaristas?
Quem mais do que nós se esforçou em obstar que sua magestade a
rainha cahisse, sob a antonomasia de anjo da caridade, nos logares
communs da rhetorica sordida de procissão e do fogo preso, de
bambolim de murta e de peixe frito?...
Não faremos a vossa alteza a injuria de o suppôr assaz destituido de
bom gosto para não comprehender quanto a notoriedade, levada até
esse ponto de incontinencia, melindra e emurchece aquella delicada e
fina flor do recato, que é a mais bella joia das princezas que bebem
silenciosamente e heroicamente a vida na obscuridade inviolavel, como
a imperatriz da Allemanha, por exemplo, ou a imperatriz do Brazil.
Por todos estes titulos julgavamos nós ter a certeza de ser os individuos
chamados a acompanhar vossa alteza na sua viagem de instrucção.
Quando ultimamente lemos nas gazetas os nomes dos snrs Antonio
Augusto d'Aguiar e Martens Ferrão, em vez dos nossos, aquelle que
escreve estas linhas telegraphou a Eça de Queiroz nos seguintes termos:
_Eça de Queiroz--Lawrence's Hotel--Cintra. Diga se recebeu rei
convite ir extrangeiro principes, e se vae._
E recebemos a seguinte resposta:
_Ramalho Ortigão--Caetanos--Lisboa. So recebi Alberto Braga convite
ir Collares burros, e não vou._
Havieis-nos pois lançado a ambos ao ostracismo ... Maldição e
prudencia!
O preclaro major Quillinan, que tão galhardamente defendeu ha pouco
a honra nacional publicando no Morning-Post uma bisca contra o
detestavel Brigth, annuncia agora e faz publico que, visto o governo de
sua magestade fidellissima não haver prestado a consideração devida ao
feito alludido, elle, major Quillinan, não mais volverá a soccorrer-nos
nas molestias de Brigth. Brigth tem d'ora avante o rim da gente ás
ordens. Tripudie sobre elle a capricho, que o major Quillinan dá licença!
A camara dos commus pode desde hoje beber-nos o sangue á vontade,
que o bebe por conta do lavrador.
Regala-te para ahi, ó vibora sedenta!
Nós porém, senhor,--como se diz na «Vie Parisienne»--_não somos
esse major_.
Vamos pois dar a vossa alteza n'este momento decisivo e solemne os
derradeiros conselhos que a nossa dedicação a vossa alteza nos inspira,
para que a todo o tempo se não diga que um mesquinho despeito nos
reduziu n'esta suprema contingencia a um silencio criminoso,
sarocoteando-nos cynicamente no vil mutismo, como dois peixes
vermelhos dentro de uma redoma cheia d'agua, emquanto vossa alteza
caminha para o abysmo, levado ao extrangeiro, como quem leva uma
retorta, pelo nefando
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