A princeza na berlinda | Page 2

Urbano de Castro
mais ou menos o que o livro ��. Os jornaes tem dado excellentes amostras d'aquella famosa pe?a...
Porque n?o havemos n��s de dar tambem algumas? Estes dois perfis da nossa nobreza, por exemplo...
Venha primeiro o conde de ***
?--O conde *** um dos meus valsistas, e um valsista encantador, entre parenthesis, n?o �� menos notavel. De muito antiga e nobre familia, �� verdadeiramente um dos typos mais salientes de Lisboa. Or?a pelos cincoenta, mas n?o obstante apparenta um grande ar de mocidade. Baixinho, apurado, e elegante, ha em toda a sua pessoa uma excessiva vivacidade. Esta vivacidade ser�� natural ou o resultado d'um estudo paciente para parecer ainda mais novo?
Talvez que sim a avaliar a sua petulancia pelo mais. Os bigodes do conde de *** s?o mais negros do que o ebano.
Mas isto n?o �� nada comparado ao craneo do encantador conde; o proprietario d'este craneo conserva n'elle alguns cabellos, raros, semeados aqui e ali, tratados com zelosos cuidados, e que puchados artisticamente para a testa, ahi occupam o maximo espa?o possivel para assim substituirem os ausentes. Para suprir os defuntos p?e no cucuruto uma especie de pequeno crescente--n?o, eu nunca ousaria dizer chin�� fallando de t?o perfeito cavalheiro--que se confunde graciosamente com os cabellos: depois cobre tudo isto com uma espessa camada de pez e summo de alca?uz de que faz uma pomada a fogo lento; por fim o seu creado de quarto, confidente d'esta excentricidade, tra?a no meio d'esta pasta de raisin�� breton, uma risca d'uma delicadeza, d'uma puresa, d'uma nitidez a causar inveja a uma rapariga de quinze annos. Quando a cataplasma est�� secca, o conde p��de apparecer no meio dos seus concidad?os. Todos conhecem o mysterio d'aquella cabe?a e ha delirios de alegria quando o excellente homem �� obrigado, em pleno sol ou em pleno baile, a andar de chapeu na m?o, porque o calor tendo ac??o dissolvente sobre aquella untura, resulta d'ahi come?ar ella a mover-se, a palpitar, a derreter-se, acabando por escorrer pelo pesco?o e pelo nariz do seu proprietario.
N?o obstante o conde de *** �� um grande conquistador, um namorador que n?o perde occasi?o de deitar a sua olhadella, sendo por��m capaz de praticar heroismos, como o demonstram varias circumstancias da sua vida.
Conta-se este facto digno dos melhores tempos da monarchia. O conde era camarista da infanta D. Izabel, que morreu ha annos, em avan?ada edade, no seu palacio de Bemfica nos arrebaldes de Lisboa. Sendo os principes da familia real depositados na egreja de S. Vicente, situada n'um dos extremos da cidade opposto a Bemfica, o cortejo funebre teve de percorrer duas leguas, a passo, em pleno mez de julho.
O conde devia seguir a cavallo, uniformisado e de cabe?a descoberta, o corpo da sua real ama, debaixo d'um sol torrido, o que elle fez magnanimamente, sem trepidar, entregando aos abrasadores raios de Phebo a sua untura quotidiana--facil presa--sem temer a tro?a dos graciosos que, no dia seguinte, alludindo �� liquefa??o do cosmetico, diziam por toda a parte que ninguem figurara no cortejo com o rosto mais tristemente cheio de luto do que o infeliz conde de ***.?
Igual a isto s�� aquella celebre caricatura do Antonio Maria... ?D��-lhe cuspo...?
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Agora o marquez de V. ***
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--?Como exemplo n?o, quero citar sen?o um dos meus amigos o marquez de V. ***. Vale bem a pena. �� uma personalidade, uma celebridade, uma curiosidade de primeira ordem. Em v?o lhe procurariam rival na galeria do duque de Saint-Simon, e ainda menos na collec??o t?o rica de Moli��re. Em certas festas de gala ou de representa??o exterior, o marquez de V. *** julga-se obrigado a seguir as carruagens da c?rte na sua equipagem, e �� esta equipagem que faz do nobre marquez uma curiosidade unica do mundo.
Imagine-se um coche do seculo passado, envidra?ado de modo a ver-se todo o interior, montado sobre molas e rodas que fazem pensar nas machinas de Leviathan, tudo isto pintado de verde, cheio de dourados em alto e baixo relevo. No meio d'esta caixa throno, o marquez de V. *** s��, de cabe?a descoberta, com o grande uniforme d'uma ordem qualquer, com os olhos fitos na sua frente, parecendo contemplar em extase as abas da libr�� do seu cocheiro, n?o voltando a cabe?a nunca, nem para a direita nem para a esquerda: dir-se-hia uma estatua e n?o um homem.
A carruagem �� atrelada a quatro cavallos, montados por dois postilh?es e guiados por um cocheiro gorducho sentado n'uma almofada que parece um divan. Na taboa da carruagem dois enormes lacaios em p��. Todo este pessoal vem empoado e veste uma libr�� verde claro que deslumbra a vista e faz piscar os olhos. N?o se p��de imaginar nada mais original. Quando a cerimonia terminou e a parte official do programma est�� cumprida, o marquez faz gravemente o giro das principaes
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