A Paranoia | Page 7

Julio de Mattos
n?o se sentir vexado pela modestia da posi??o que occupa ou pela exiguidade dos recursos de que disp?e. N'isto vê elle um signal de injusti?a, que attribue á ac??o de inimigos poderosos; crê-se, pois, victima de manobras hostis e fabrica assim um systematico delirio de persegui??es, secundario agora e consequencia das idéas de grandezas?[1].
[1] Foville, Loc. cit., pag. 347.
é ainda, como se vê, um processo logico o destinado; segundo Foville, a explicar a passagem do delirio ambicioso ao de persegui??es; toda a vesania parcial, portanto, qualquer que tenha sido o seu ponto de partida e qualquer que haja de ser o seu termo, se desenrola sob a dependencia do raciocinio e dentro da esphera consciente da idea??o.
Os casos em que o delirio de grandezas succede immediatamente a allucina??es de caracter agradavel e lisongeiro, s?o extremamente raros; a interpreta??o dos erros sensoriaes, isto é, um processo consciente e reflectido, é ainda d'esta vez origem da doen?a.
Referindo-se á doutrina de Morel, Foville declara n?o a acceitar, porque o delirio hypocondriaco, ponto de partida necessario, segundo aquelle auctor, dos delirios de persegui??es e de grandezas, só excepcionalmente o encontrou.
De quanto vem de ser exposto a conclus?o a tirar é esta:
Existe um delirio systematisado de grandezas que, no seu periodo de estado, se combina sempre com idéas de persegui??o, que é invariavelmente acompanhado de allucina??es auditivas e que tanto póde originar-se, por via deductiva, de um preexistente delirio persecutorio, como nascer d'emblèe. N?o sendo um episodio morbido, nem mesmo a phase evolutiva de uma vesania anterior, porque póde ser e é muitas vezes primitivo, esse delirio constitue uma doen?a com foros de autonomia e direitos a uma designa??o privativa: a megalomania.
Tal é, em resumo, a memoria de Foville na parte consagrada ao delirio parcial de grandezas.
Depois dos importantes trabalhos de Lasègue e Foville, a psychiatria franceza n?o nos offerece, dentro d'este periodo de analyse, estudo que tenha feito progredir pela interferencia de pontos de vista novos o conhecimento dos delirios systematisados. O livro publicado por Legrand du Saulle, sob o titulo de Delirio de persegui??es, em 1871, valioso, certamente, pela copia de observa??es e pelos detalhes de analyse clinica, nada tem, no fundo, de original, embora tentem proclamar o contrario estas ambiciosas palavras do prefacio: ?A despeito da sua extrema frequencia e dos seus t?o claros caracteres distinctivos, o delirio de persegui??es achou-se confundido com a melancolia de Pinel, com a lypemania de Esquirol, com a monomania depressiva de Baillarger; é ahi que eu vou buscal-o para o estudar nas suas diferentes phases, para o constituir de toutes pièces e fazer d'elle uma especie á parte?[1]. Dezenove annos antes fizera Lasègue, como vimos, o que n'esta passagem se annuncia. O trabalho de Legrand du Saulle, excep??o feita dos capitulos consagrados ao tratamento, á medicina legal e ao contagio do delirio, que nada teem que vêr com a constitui??o scientifica da doen?a, n?o é sen?o um desenvolvimento da memoria de Lasègue, cuja ordem de exposi??o adopta e cujas express?es mesmo n?o raro se apropria.
[1] Legrand du Saulle, Le Délire des persécutions, pag. 11.
Como Lasègue, Legrand du Saulle descreveu dois periodos no delirio de persegui??es: um, de come?o, exteriorisado por uma inquieta??o indefinivel e de nenhum modo comparavel á do homem normal que tem um grande interesse compromettido; outro, de estado, caracterisado pela definitiva systematisa??o das idéas delirantes formando um romance invariavel para cada doente.
Como Lasègue, Legrand du Saulle caracterisa a inquieta??o do primeiro periodo comparando-a á cephalalgia e ao arrepio que s?o muitas vezes os precursores de graves doen?as communs, mas que em si mesmos nada teem de preciso.
Como Lasègue, Legrand du Saulle explica a transi??o do primeiro ao segundo periodo por um acto de reflex?o do perseguido, por um verdadeiro raciocinio. ?O doente, escreve Legrand du Saulle, diz a si proprio e aos outros que n?o s?o naturaes as inquieta??es e angustias que experimenta, que lhes n?o encontra causa no meio em que vive, no estado da propria saude, no da propria fortuna. No seu passado experimento grandes infortunios, mas sabia o motivo d'elles e n?o eram os mesmos os seus soffrimentos, n?o tinham o caracter vago e indefinido dos actuaes. Este mal-estar t?o grande, estas impress?es t?o penosas e t?o injustificadas devem ter uma causa secreta. E é assim que o doente se sente naturalmente levado a pensar que inimigos occultos, interessados em perdel-o, se reunem e procuram fazel-o soffrer?[1].
[1] Legrand du Saulle, Obr. cit., pag. 17.
Como Lasègue, Legrand du Saulle dá na symptomatologia da doen?a um logar preponderante ás allucina??es auditivas, precedidas frequentemente de illus?es do mesmo sentido. ?O doente, escreve o auctor, come?a por dar uma falsa significa??o aos ruidos reaes que escuta: uma porta que se abre, pessoas que fallam na rua, uma palavra pronunciada ao pé d'elle, os passos de alguem, tudo é materia do delirio. As verdadeiras allucina??es
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