A Paranoia | Page 5

Julio de Mattos
um elemento pathologico novo introduzido no organismo moral e sem equivalente no estado de saude.
Procurando apenas ?estabelecer um typo clinico e determinar os caracteres que devem entrar na sua defini??o?, o notavel alienista declara abster-se de estudar ?a marcha decrescente da doen?a e as suas indica??es therapeuticas?.
Tal é nos seus tra?os capitaes e na sua mesma essencia a extraordinaria memoria de Lasègue.
Sem nada accrescentar a este quadro clinico, Morel fez, todavia, desde 1853 umas importantes observa??es sobre a historia dos perseguidos, affirmando que muitos d'elles principiam por ser hypocondriacos e acabam por delirar n'um sentido ambicioso.
Exposta pela primeira vez d'uma maneira dogmatica e n'um certo grau de generalidade nos seus Estudos Clinicos, a observa??o de Morel tinha, contudo, precedentes na sciencia. Pinel, com effeito, illustrando o que elle chamava a transi??o da melancolia depressiva á melancolia ambiciosa, expozera em 1809 alguns casos de doentes que, tendo-se julgado por mais ou menos tempo victimas de hostilidades e de manejos criminosos, acabaram por crêr-se grandes personagens; pelo seu lado, Esquirol notára tambem desde 1838 que da hypocondria póde passar-se á lypemania e d'esta á monomania da vaidade, apresentando como exemplos alguns interessantes vesanicos primeiro hypocondriacos, depois perseguidos e por ultimo ambiciosos. Entre os casos de Pinel ha o de um alienado que durante oito annos delirou como perseguido, crendo-se em constante imminencia de morte por envenenamento, n?o ingerindo sen?o alimentos que furtava na cosinha do asylo, e que acabou por crêr-se igual ao Creador e soberano do mundo; entre as observa??es de Esquirol figura a de um doente que, excessivamente inquieto sobre o seu estado de saude durante mais de dois annos, entra em seguida no caminho das persegui??es, imaginando-se objecto de tentativas de envenenamento por parte da familia, e termina, decorrido um anno, por crêr-se filho de Luiz XVI. Mas, por valiosas e instructivas que sejam em si mesmas, estas observa??es n?o desempenham nos livros de Pinel e de Esquirol mais que um papel episodico e sem alcance. Morel foi indiscutivelmente o primeiro a vêr n'uma tal success?o de delirios, n?o apenas um curioso accidente, mas uma verdadeira lei de evolu??o vesanica, segundo a qual a passagem regular da hypocondria ao delirio de persegui??es e d'este ao delirio ambicioso seria um facto constante nos alienados hereditarios. D'aqui a affirmar a existencia de uma psychose degenerativa de que os delirios hypocondriaco, persecutorio e ambicioso, succedendo-se, n?o constituiriam sen?o étapes ou phases evolutivas, vae uma pequena distancia que Morel percorreu, como veremos, desde a publica??o dos Estudos Clinicos em 1853 até á do Tratado das Doen?as Mentaes em 1860.
Outros auctores franceses, entre os quaes Renaudin, Broc e Dagonet, notaram a success?o de delirios diversos, nomeadamente de persegui??es e de grandezas, n'um mesmo alienado; todavia, por desconhecimento ou incomprehens?o do alcance dos trabalhos de Morel, nenhum d'elles se preoccupou com a interpreta??o do phenomeno. Só em 1869 Foville, retomando a quest?o na sua excellente memoria sobre a Loucura com predominio ao delirio de grandezas, procurou interpretar, sobretudo, a passagem--t?o frequentemente observada agora que a atten??o dos clinicos incidia sobre ella--do delirio de persegui??es ao de grandezas.
Marcando na historia dos delirios systematisados um periodo importante, o trabalho de Foville merece deter-nos um momento.
Depois de ter mostrado que o delirio de grandezas póde apparecer a titulo episodico na maioria das doen?as mentaes e com mais ou menos relevo constituir um syndroma de algum dos seus periodos evolutivos, Foville estabelece que elle se torna preponderante e reveste inconfundiveis caracteres semeioticos em dois casos: na loucura parcial e na demencia paralytica. Pondo de parte, por alheio ao nosso estudo, este ultimo caso, vejamos o que Foville pensava do primeiro.
A loucura parcial, que importa n?o confundir com a monomania de Esquirol, representaria, segundo Foville, as aliena??es caracterisadas pelo conjuncto d'estes caracteres: presen?a de um delirio systematisado, ausencia de um estado habitual depressivo ou expansivo, existencia de perturba??es sensoriaes, e chronicidade.
O delirio de persegui??es descripto por Lasègue é um dos representantes d'este grupo; um outro seria, segundo Foville, a megalomania, que elle define como um delirio de grandezas logicamente coordenado, associando-se a allucina??es chronicas e, no seu periodo de estado, a idéas de persegui??o.
Em rigor, nem o termo é novo, porque antes o tinham empregado, entre outros, Broc e Dogonet, nem a defini??o da doen?a absolutamente original, porque desde Esquirol se havia reconhecido a existencia de um delirio ambicioso idiopatico. O que de original e novo existe no trabalho de Foville é a maneira de estudar a génese do delirio de grandezas e as rela??es d'elle com a doen?a de Lasègue.
Segundo Foville, na loucura parcial, de que s?o escólas o delirio de persegui??es e a megalomania, toda a symptomatologia essencial se reduz a concep??es delirantes e erros sensoriaes, podendo estas duas ordens de factos manter entre si rela??es diversas, que importa muito considerar para a comprehens?o da pathogenia. Ou as
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