A Morte Do Athleta | Page 2

António Gomes Leal
Roma ��s portas immortaes?sentiu seu forte amor mais jovem renascer.?E o Amor que busca a gloria, as palmas triumphaes?para as lan?ar aos p��s pequenos de mulher,?accendeu-lhe de novo as attra??es fataes?do Circo! o Circo immenso!... a gloria de vencer.
Mas mal no Circo entrou, depois de tantos annos,?sentiu como um terror fatal, desconhecido.?O arado das paix?es, do Amor, dos desenganos,?desbotaram-lhe a c?r, tinham-o envelhecido.?Com um terror d'escravo ao p�� dos seus tyrannos,?o gladiador sentiu-se incognito e esquecido.
O primeiro que entrou foi um Gaulez membrudo,?um louro montanhez, um rude retiario.?D'um duro golpe s�� d'amalgamar o escudo?o gladiador lan?ou na arena o adversario.?Todo o povo applaudiu. S�� Livia, o labio mudo,?desfolhava uma flor, debaixo do vellario.
O segundo era um negro e athletico selvagem?com laivos de chacal no duro olhar sombrio,?nostalgico da luz, das sombras, da paizagem,?vasto como um deserto e fundo como um rio.?Depois de uma feroz e insolita carnagem,?sob os p��s do Africano o gladiador ca��u.
O gladiador ca��u cheio de pallidez?da d?r que lhe causou a espada d'a?o fino,?e olhou a turba egoista, essa que tanta vez?o applaudira feroz com um rugir leonino.?Mas viu o Povo todo, em tragica mudez,?--frio, o dedo no ar, fatal como o Destino [1].
[1] Quando o povo romano erguia o dedo pollegar, para o ar, no Circo, era signal funesto de morte para o gladiador vencido.
O athleta encarou o povo novamente.?Mas ninguem se mexeu. N?o perdoou ninguem.?Ent?o o gladiador volveu o olhar ardente,?o derradeiro olhar extactico ao seu bem:?mas viu, cheio de horror! inexoravelmente!?Livia o dedo fatal erguendo ao ar tambem.
Ninguem p��de narrar o seu sorriso extranho.?Ninguem p��de exprimir o seu extranho olhar.?O triste cora??o do Homem �� tamanho?como um convulso ceu, ou como um fundo mar.?--Quem contar�� a d?r do escravo no seu lenho??--Quem dir�� o sorrir do heroe que v?o matar?
De certo ha de ser duro ao peito grande e forte?sentir que a sua magua a nenhum peito arou,?sentir que foi no mundo um naufrago que a Sorte?sobre um rochedo n�� e tragico arrojou,?e v��r erguendo as m?os, pedindo a sua morte,?seu marmoreo ideal, o idolo que amou.
O gladiador, ent?o, ergueu-se de repente,?e pallido, afrontando as turbas aturdidas,?hirto, em frente de Livia, o idolo inclemente,?estas phrases soltou tristes e nunca ouvidas.?Como atravez do horror de um sonho incoherente?vibravam-lhe na voz notas desconhecidas:
?Sa��da o Cesar--disse--o athleta moribundo,?antes de abandonar o amphitheatro, o mundo,?onde a flor do Ideal nunca viceja e medra.?Eu pois que vou morrer, inevitavelmente,?fa?o uma sauda??o extranha e dissidente:?--Saude, �� meu Amor! meu Ideal de pedra!?
Depois olhou o Sol. Em meio da carreira?elle vinha imitando o olho d'um drag?o.?--E, ah! ent?o relembrou-lhe a sua vida inteira,?sua d?r, sua morte, a sua solid?o,?a sua historia triste e vida aventureira,?sem jamais encontrar no mundo um cora??o!
Lembrou-lhe tudo: a infancia, e o sonho descuidado?na sua aldeia, em Chio, ao p�� das carvalheiras,?o seu exilio em Roma, e o tempo torturado?sob o jugo servil das turbas extrangeiras,?depois--a Gloria, o Circo, o seu amor frustrado,?a musica da selva, e o choro das ribeiras!
Porque n?o f?ra elle um rude marinheiro,?luctando com o Mar, os Ventos, o Revez,?sem recear da Plebe o grito carniceiro,?nem temer o histri?o calcando-o sob os p��s,?e, uma noite, morrer, por entre um nevoeiro,?ou junto �� loura amante, �� lua das mar��s!?
Porque n?o f?ra elle um lavrador queimado,?d'essas almas vir��s, heroicas, e felizes,?que conhecem s��mente o feno do seu prado,?nunca viram o mar e os ceus d'outros paizes,?e que enterram ao p�� d'um ��lamo copado,?�� boa luz do sol, debaixo das raizes!?
E de novo acudiu-lhe �� triste mente cheia?de saudades crueis, de rapidas lembran?as,?aquella grande cruz no monte da Judea,?entre mulheres chorando e reluzentes lan?as.?--E, ent?o, quiz ser um heroe, morrendo pela Id��a,?e ouvindo uma mulher chorar de longas tran?as.
Mas era um gladiador, um histri?o s��mente,?esc��ria de plebeus, e filho d'um liberto,?do qual o Povo Rei olhava indifferente,?sem magua a sua morte irremediavel, perto,?como o le?o contempla as nuvens do Orienta,?ou como a esphinge fita a areia do deserto!
N?o viria ninguem de terras bem distantes?como veio a Jesus Jos�� d'Arimath��a?trazer o esquife novo, os cheiros penetrantes,?e o nitido len?ol de preciosa teia,?nem feririam o ar gritos dilacerantes?quando o seu corpo vil rolasse pela areia!
N?o ouviria mais, pelos ser?es d'outono,?na tremula floresta o vento suspirar!?E o seu corpo votado aos corvos e ao abandono?n?o teria um bom campo, um monte ao p�� do mar,?aonda os manes seus sa��ssem do seu somno,?ouvindo o rouxinol e o pescador cantar!
Tudo isto lhe acudiu negro e tumultuoso,?rapido como um raio, ou sonho de mulher,?doce como a vis?o d'um bom paiz saudoso?ao naufrago que v�� a esperan?a fallecer.?Depois, com um sorriso extremo e doloroso,?dispoz-se o gladiador, emfim, para morrer.
Um pranto lhe rolou, lento e desenganado,?como o orvalho que cae em resequida fl?r.?Por��m, quando, por fim, do tronco decepado?a cabe?a rolou aos p��s do vencedor,?o carmezim do sol tornava ensanguentado?aquelle pranto.--Assim morreu o gladiador.
End
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 6
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.