Roma ��s portas immortaes?sentiu seu forte amor mais jovem renascer.?E o Amor que busca a gloria, as palmas triumphaes?para as lan?ar aos p��s pequenos de mulher,?accendeu-lhe de novo as attra??es fataes?do Circo! o Circo immenso!... a gloria de vencer.
Mas mal no Circo entrou, depois de tantos annos,?sentiu como um terror fatal, desconhecido.?O arado das paix?es, do Amor, dos desenganos,?desbotaram-lhe a c?r, tinham-o envelhecido.?Com um terror d'escravo ao p�� dos seus tyrannos,?o gladiador sentiu-se incognito e esquecido.
O primeiro que entrou foi um Gaulez membrudo,?um louro montanhez, um rude retiario.?D'um duro golpe s�� d'amalgamar o escudo?o gladiador lan?ou na arena o adversario.?Todo o povo applaudiu. S�� Livia, o labio mudo,?desfolhava uma flor, debaixo do vellario.
O segundo era um negro e athletico selvagem?com laivos de chacal no duro olhar sombrio,?nostalgico da luz, das sombras, da paizagem,?vasto como um deserto e fundo como um rio.?Depois de uma feroz e insolita carnagem,?sob os p��s do Africano o gladiador ca��u.
O gladiador ca��u cheio de pallidez?da d?r que lhe causou a espada d'a?o fino,?e olhou a turba egoista, essa que tanta vez?o applaudira feroz com um rugir leonino.?Mas viu o Povo todo, em tragica mudez,?--frio, o dedo no ar, fatal como o Destino [1].
[1] Quando o povo romano erguia o dedo pollegar, para o ar, no Circo, era signal funesto de morte para o gladiador vencido.
O athleta encarou o povo novamente.?Mas ninguem se mexeu. N?o perdoou ninguem.?Ent?o o gladiador volveu o olhar ardente,?o derradeiro olhar extactico ao seu bem:?mas viu, cheio de horror! inexoravelmente!?Livia o dedo fatal erguendo ao ar tambem.
Ninguem p��de narrar o seu sorriso extranho.?Ninguem p��de exprimir o seu extranho olhar.?O triste cora??o do Homem �� tamanho?como um convulso ceu, ou como um fundo mar.?--Quem contar�� a d?r do escravo no seu lenho??--Quem dir�� o sorrir do heroe que v?o matar?
De certo ha de ser duro ao peito grande e forte?sentir que a sua magua a nenhum peito arou,?sentir que foi no mundo um naufrago que a Sorte?sobre um rochedo n�� e tragico arrojou,?e v��r erguendo as m?os, pedindo a sua morte,?seu marmoreo ideal, o idolo que amou.
O gladiador, ent?o, ergueu-se de repente,?e pallido, afrontando as turbas aturdidas,?hirto, em frente de Livia, o idolo inclemente,?estas phrases soltou tristes e nunca ouvidas.?Como atravez do horror de um sonho incoherente?vibravam-lhe na voz notas desconhecidas:
?Sa��da o Cesar--disse--o athleta moribundo,?antes de abandonar o amphitheatro, o mundo,?onde a flor do Ideal nunca viceja e medra.?Eu pois que vou morrer, inevitavelmente,?fa?o uma sauda??o extranha e dissidente:?--Saude, �� meu Amor! meu Ideal de pedra!?
Depois olhou o Sol. Em meio da carreira?elle vinha imitando o olho d'um drag?o.?--E, ah! ent?o relembrou-lhe a sua vida inteira,?sua d?r, sua morte, a sua solid?o,?a sua historia triste e vida aventureira,?sem jamais encontrar no mundo um cora??o!
Lembrou-lhe tudo: a infancia, e o sonho descuidado?na sua aldeia, em Chio, ao p�� das carvalheiras,?o seu exilio em Roma, e o tempo torturado?sob o jugo servil das turbas extrangeiras,?depois--a Gloria, o Circo, o seu amor frustrado,?a musica da selva, e o choro das ribeiras!
Porque n?o f?ra elle um rude marinheiro,?luctando com o Mar, os Ventos, o Revez,?sem recear da Plebe o grito carniceiro,?nem temer o histri?o calcando-o sob os p��s,?e, uma noite, morrer, por entre um nevoeiro,?ou junto �� loura amante, �� lua das mar��s!?
Porque n?o f?ra elle um lavrador queimado,?d'essas almas vir��s, heroicas, e felizes,?que conhecem s��mente o feno do seu prado,?nunca viram o mar e os ceus d'outros paizes,?e que enterram ao p�� d'um ��lamo copado,?�� boa luz do sol, debaixo das raizes!?
E de novo acudiu-lhe �� triste mente cheia?de saudades crueis, de rapidas lembran?as,?aquella grande cruz no monte da Judea,?entre mulheres chorando e reluzentes lan?as.?--E, ent?o, quiz ser um heroe, morrendo pela Id��a,?e ouvindo uma mulher chorar de longas tran?as.
Mas era um gladiador, um histri?o s��mente,?esc��ria de plebeus, e filho d'um liberto,?do qual o Povo Rei olhava indifferente,?sem magua a sua morte irremediavel, perto,?como o le?o contempla as nuvens do Orienta,?ou como a esphinge fita a areia do deserto!
N?o viria ninguem de terras bem distantes?como veio a Jesus Jos�� d'Arimath��a?trazer o esquife novo, os cheiros penetrantes,?e o nitido len?ol de preciosa teia,?nem feririam o ar gritos dilacerantes?quando o seu corpo vil rolasse pela areia!
N?o ouviria mais, pelos ser?es d'outono,?na tremula floresta o vento suspirar!?E o seu corpo votado aos corvos e ao abandono?n?o teria um bom campo, um monte ao p�� do mar,?aonda os manes seus sa��ssem do seu somno,?ouvindo o rouxinol e o pescador cantar!
Tudo isto lhe acudiu negro e tumultuoso,?rapido como um raio, ou sonho de mulher,?doce como a vis?o d'um bom paiz saudoso?ao naufrago que v�� a esperan?a fallecer.?Depois, com um sorriso extremo e doloroso,?dispoz-se o gladiador, emfim, para morrer.
Um pranto lhe rolou, lento e desenganado,?como o orvalho que cae em resequida fl?r.?Por��m, quando, por fim, do tronco decepado?a cabe?a rolou aos p��s do vencedor,?o carmezim do sol tornava ensanguentado?aquelle pranto.--Assim morreu o gladiador.
End
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