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The Project Gutenberg EBook of A Fome de Cam?es, by António Duarte Gomes Leal
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Title: A Fome de Cam?es
Author: António Duarte Gomes Leal
Release Date: June 18, 2007 [EBook #21855]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
? START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK A FOME DE CAM?ES ***
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A FOME DE CAM?ES
Gomes Leal
A FOME DE CAM?ES
(POEMA EM 4 CANTOS)
LISBOA
EDITORES
Empreza Litteraria Luso-Brazileira de A. Souza Pinto?e?Livraria Industrial de Lisboa & C.a
MDCCCLXXX
1880--Typ. Occidental, rua da Fabrica 66--Porto
CANTO PRIMEIRO
TRAGEDIA DA RUA
Quando no mundo o Genio abandonado?expira á fome e ao frio, indignamente,?um livido remorso ensanguentado?sacode o mundo tenebrosamente.?Como o arrepio d'um terror sagrado,?alguma cousa grita intimamente:?como uma voz terrivel que suspira?nas cordas vingativas d'uma Lyra.
E essa Lyra é só feita d'amea?as.?Essa Lyra é só feita de vingan?as.?Essa Lyra só falla de desgra?as,?d'antigos crimes, de crueis lembran?as.?Essa Lyra espeda?a e quebra as ta?as,?calla os festins, e faz parar as dan?as,?e essa Lyra ai! da tragica innocencia?é a Lyra terrivel da Consciencia.
E a Lyra diz: O que fizeste, ó mundo!?das grandes almas unicas, sagradas,?das grandes frontes d'um sonhar profundo?que eram as frontes as mais bem amadas??O que fizeste d'esse abysmo fundo?de vontades mais rijas do que espadas,?d'esses simples e santos cora??es?que faziam chorar as multid?es?
O que fizeste d'essas linguas d'ouro?que sabiam pregar como os prophetas??Como enxugaste o seu comprido ch?ro??Como arrancaste as ponteagudas settas??O que fizeste, ó mundo! do thesouro?que vós homens mortaes chamais poetas:?mas cujo nome d'harmonias bellas?só o sabem as Cousas e as Estrellas?
Deitaste ao lodo, á rua, e aviltamento?esses que adora a Natureza inteira,?esmagaste entre as pedras o talento,?os seus craneos quebraste, na cegueira!?As suas cinzas espalhaste ao vento!?Profanaste os seus louros na poeira!?E repousam sem lastimas nem lousas?os que viam as lagrimas das Cousas!...
Por isso me ouvirás em toda a parte?como um solu?o e um grito vingador,?n'uma alta torre, atraz d'um baluarte,?entre os festins, nas convuls?es do amor.?Na paz, ou levantando o estandarte?da guerra, escutarás a minha D?r.?Por que eu, ó mundo! guarda-o na lembran?a,?--Eu sou a Lyra, e a minha voz Vingan?a!
E o mundo escuta, indefinidamente,?a voz da Lyra a protestar terrivel.?Ouve-a na sombra, ou pelo sol poente,?se o vento dobra o cannavial flexivel,?ouve-a nos sonhos, ouve-a intimamente,?n'uma continua musica inflexivel,?até que emfim vencido n'esta li?a
? mundo clama: Fa?a-se a Justi?a!--
Era uma noute livida e chuvosa,?ermas as ruas, ermas as cal?adas.?Nada cortava a solid?o brumosa,?nem ais d'amor, nem gritos de facadas.?Das nuvens colossaes acastelladas?sómente a meia lua silenciosa,?boiava em morto ceu ermo d'estrellas,?como um navio que perdeu as vellas.
Quem é que cruza á chuva e á ventania,?á meia noute, as ruas solitarias??és tu santa Miseria, que de dia?foges da luz do Sol, o pai dos párias??Ou és tu Fome ou Vicio, que sem guia,?vaes nas noutes sem lua, mortuarias,?provocar o Deboxe e os estrangeiros?á ba?a luz dos tristes candeeiros?
ó Destino! ó Destino!--eu sei a historia?de muitas das tragedias solu?antes,?de muito nome que esqueceu a Gloria,?de muitos prantos que cairam d'antes!?Sei que riscam teus dedos flammejantes,?como uma sina má, muita memoria,?e que nada ha maior e mais escuro?do que o brilhante e o bronze do teu muro!
Mas n?o quero contar o drama agora?do Brilhante, do Leque, e do Farrapo,?da meretriz que no bordel descóra,?do amor do Charco, do histri?o, do sapo;?nem a far?a de sangue a toda a hora,?do Ouro e do Velludo--o rico trapo,?nem a sina immoral sinistra e crua?da historia diabolica da Rua.
Um dia eu contarei a extranha lenda?ó Destino! dos teus encantamentos,?seguirei, passo a passo, a tua senda?ó Miseria! e direi os teus tormentos.?Para que a alma da Ralé aprenda,?contarei os crueis temperamentos,?Direi o Incesto a amamentar os filhos,?e o Parricida a esvasiar quartilhos.
Um dia accenderei a selva escura?das almas que suffocam á nascen?a,?das noutes só riscadas d'amargura,?como um phosphoro risca a treva densa.?E com a ponta d'um brilhante duro?marcar-te-hei ó tragica Doen?a?que vais, limpando as lagrimas internas,?fazer um _toast_ á Morte nas tabernas.
Um dia evocarei os teus mysterios,?ó tragedia da Rua e os teus segredos,?mais funestos que os tristes cemiterios,?mais profundos que os bastos arvoredos:?direi sonhos, desejos quasi ethereos,?desejos que teem azas nos degredos,?d'uma alma que ama o Azul, o Azul almeja,?como a agulha da torre d'uma egreja.
Um dia esfiarei todo o rosario?da Innocencia e da Fome aventureira,?do Luxo, do Egoismo solitario,?do Genio solu?ante na trapeira,?da Virtude embrulhada em seu sudario,?pedindo esmolla á sua irm? rameira,?e o Crime dando bailes d'apparato,?em quanto o Justo expira no grabato.
Descobrirei as contas da Avareza?junto ao esquife d'uma virgem bella,
? Tedio bocejando á lauta meza,
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