A Cidade e as Serras

Eça de Queirós
A Cidade e as Serras

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Title: A Cidade e as Serras
Author: Eça de Queirós
Release Date: April 21, 2006 [EBook #18220]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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EÇA DE QUEIROZ
A CIDADE E AS SERRAS
PORTO
LIVRARIA CHARDRON
De Lello & Irmão, editores
1901
Todos os direitos reservados

EÇA DE QUEIROZ
A CIDADE E AS SERRAS
PORTO
LIVRARIA CHARDRON
De Lello & Irmão, editores
1901
Todos os direitos reservados

Pertence no Brazil o direito de propriedade d'esta obra ao cidadão Francisco Alves,
livreiro editor no Rio de Janeiro, que, para a garantia que lhe offerece a lei n.^o 496 de 1
d'Agosto de 1898, fez o competente deposito na Bibliotheca nacional, segundo a
determinação do art. 13.^o da mesma Lei.
Porto--Imprensa Moderna

[Figura de Eça de Queirós]

A CIDADE E AS SERRAS

Obras do mesmo auctor:
*Revista de Portugal.* 4 grossos volumes 12$000
*As minas de Salomão.* 1 volume $600
*Os Maias.* 2 grossos volumes 2$000
*O crime do padre Amaro.* Terceira edição inteiramente refundida, recomposta, e
differente na fórma e na acção da edição primitiva. 1 grosso volume 1$200
*O primo Bazilio.* Quarta edição. 1 grosso volume 1$000
*A Reliquia.* 1 grosso volume 1$000
*O Mandarim.* Quarta edição. 1 volume $500
*Correspondencia de Fradique Mendes.* 1 volume $600

*A illustre casa de Ramires.* 1 volume 1$000

A CIDADE E AS SERRAS

I
O meu amigo Jacintho nasceu n'um palacio, com cento e nove contos de renda em terras
de semeadura, de vinhedo, de cortiça e d'olival.
No Alemtejo, pela Extremadura, atravez das duas Beiras, densas sebes ondulando por
collina e valle, muros altos de boa pedra, ribeiras, estradas, delimitavam os campos d'esta
velha familia agricola que já entulhava grão e plantava cepa em tempos d'el-rei D. Diniz.
A sua quinta e casa senhorial de Tormes, no Baixo Douro, cobriam uma serra. Entre o
Tua e o Tinhela, por cinco fartas legoas, todo o torrão lhe pagava fôro. E cerrados
pinheiraes seus negrejavam desde Arga até ao mar d'Ancora. Mas o palacio onde Jacintho
nascêra, e onde sempre habitára, era em Paris, nos Campos Elyseos, n.^o 202.
Seu avô, aquelle gordissimo e riquissimo Jacintho a quem chamavam em Lisboa o D.
Galião, descendo uma tarde pela travessa da Trabuqueta, rente d'um muro de quintal que
uma parreira toldava, escorregou n'uma casca de laranja e desabou no lagedo. Da
portinha da horta sahia n'esse momento um homem moreno, escanhoado, de grosso
casaco de baetão verde e botas altas de picador, que, galhofando e com uma força facil,
levantou o enorme Jacintho--até lhe apanhou a bengala de castão d'ouro que rolára para o
lixo. Depois, demorando n'elle os olhos pestanudos e pretos:
--Oh Jacintho Galião, que andas tu aqui, a estas horas, a rebolar pelas pedras?
E Jacintho, aturdido e deslumbrado, reconheceu o snr. Infante D. Miguel!
Desde essa tarde amou aquelle bom Infante como nunca amára, apesar de tão guloso, o
seu ventre, e apesar de tão devoto o seu Deus! Na sala nobre da sua casa (á Pampulha)
pendurou sobre os damascos o retrato do «seu Salvador», enfeitado de palmitos como um
retabulo, e por baixo a bengala que as magnanimas mãos reaes tinham erguido do lixo.
Emquanto o adoravel, desejado Infante penou no desterro de Vienna, o barrigudo senhor
corria, sacudido na sua sege amarella, do botequim do Zé-Maria em Belem á botica do
Placido nos Algibebes, a gemer as saudades do anginho, a tramar o regresso do anginho.
No dia, entre todos bemdito, em que a Perola appareceu á barra com o Messias,
engrinaldou a Pampulha, ergueu no Caneiro um monumento de papelão e lona onde D.
Miguel, tornado S. Miguel, branco, d'aureola e azas de Archanjo, furava de cima do seu
corcel d'Alter o Dragão do Liberalismo, que se estorcia vomitando a Carta. Durante a
guerra com o «outro, com o pedreiro livre» mandava recoveiros a Santo Thyrso, a S.
Gens, levar ao Rei fiambres, caixas de dôce, garrafas do seu vinho de Tarrafal, e bolsas
de retroz atochadas de peças que elle ensaboava para lhes avivar o ouro. E quando soube
que o snr. D. Miguel, com dois velhos bahus amarrados sobre um macho, tomára o
caminho
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