Á hora do crime | Page 8

Francisco Luiz Coutinho de Miranda
pelos tiros d'aquelles miseraveis, e
Nandin tambem tem um ferimento, que felizmente não é grave.
TODOS
Ainda bem! Ainda bem!
D. CARLOS
(A si mesmo) Não digo eu--ainda bem--porque sou medico. Receio
bastante que a ferida seja mortal, por que sei que o ferimento produsido
pela arma de fogo é quasi sempre fatal, quando o frio é intenso, como o
d'estes dias tem sido.
D. EMILIO
Rendamos graças a Deus, por ter permitido que se frustrasse um tão
negro crime. É que a Providencia reserva ainda de certo o general Prim,
para algum grandioso commettimento em favor do seu paiz!
IZABEL
E oxalá que assim seja! Oxalá que um dia chegue, em que aquelle
valente militar possa comnosco bradar:--Viva a republica!
TODOS
Viva a republica!
IZABEL
Desculpa, Mantinez! O meu coração é teu, e da idéa generosa e sublime
de que estes cavalheiros são dedicados apostolos!
MARTINEZ
E de que eu começo hoje o noviciado!

IZABEL
(Muito contente) Converteste-te?!... Oh! é mais um presente da
Providencia! Eu vol-o agradeço, meu Deus!...
D. RAMON
É um anjo, que sente como nós santo amor pela republica!
D. EMILIO
Acompanho, intimamente regosijado, as saudações angelicas da
donzella innocente, que bem representa aqui a santa virgem da
democracia! Mas que o nosso enthusiasmo nos não torne suspeitos de
cumplicidade no crime nefando que tanto nos indignou! É mister que
todos nós, em vez das projectadas manifestações de desagrado ao rei
eleito, prestemos sincera homenagem ao vulto gigante, que ia sendo
victima de um tão monstruoso attentado! Tão feio crime só póde ter
sido perpetrado por facinoras, por miseraveis, por maus hespanhoes!
Não foram de certo, não; não foram adeptos da nossa crença,
religionarios convictos da nossa egreja, os que o perpetraram! Os
republicanos não são covardes! Os republicanos não são vis! Os
republicanos não são assassinos! As vestes alvas da democracia, a
vestal que mantem o fogo sagrado da liberdade, a santa que tem por
evangelho a tolerancia, a deosa que manda respeitar a vida humana,
mancharam-se de sangue no Mexico, mas jámais se ennodoarão na
nobre terra d'Hespanha! Amigos, protestemos todos, bem alto, contra
um tal attentado! (Signaes de approvação.)
ISABEL
(A Martinez)--E partirás com o general?
MATINEZ
Não; apesar de ligeiros, os ferimentos do general impedem-lhe que
parta hoje.

IZABEL
Mais um favor do ceu! Permittam, meus senhores, que eu vá tocar no
piano o nosso hymno patriotico, aquelle hymno de Riego, que tanto nos
tem enthusiasmado nos nossos saraus commemorativos dos
acontecimentos gloriosos do partido republicano! (Inclinam-se
todos--Isabel sahe pela porta lateral).
D. EMILIO
E quem irá a Cartagena, em logar de Prim?
MARTINEZ
O almirante Topete, que cedendo ás instancias de sua alteza o Regente,
acceitou a presidencia do conselho de ministros, durante o
impedimento do marechal Prim.
D. CARLOS
(Admirado) Topete!?
D. RAMON
(Idem)--O chefe dos unionistas!?...
D. EMILIO
(Com gravidade) O hespanhol honrado, que em presença do perigo da
patria sacrifica á idéa primordial da sua crença, os compromissos
particulares de um corrilho! Um republicano não devia, não podia, sem
deshonra, entregar a Amadeu o sceptro hespanhol; mas um
montpensierista póde, sem quebra de dignidade, sental-o no throno
d'Hespanha! Que mais larga idéa traduz Antonio de Orleans do que
Amadeu de Saboia? Não representam um e outro o principio
monarchico? Não são estrangeiros um e outro? Não ambicionavam
ambos a corôa d'Hespanha? É nobre o procedimento do almirante!
Queria um rei, e por isso respeitando os votos dos seus correligionarios
monarchicos, cobrirá amanhã o principe contra o qual hontem votou!

Nós é que não podemos cobrir nem um nem outro; supposto que
tenhamos o indeclinavel dever de respeitar ambos! Nós é que não
podemos senão, no campo legal que a constituição nos offerece, ou no
campo leal que as circumstancias nos traçarem, velar pela conservação
das liberdades que conquistámos, e propugnar pelo larguissimo
desenvolvimento d'ellas! É honroso o nosso posto! É sublime a nossa
missão! É de esperança o nosso futuro! Se nem o duque de Aoste, nem
o duque de Montpensier representam para nós o anjo do bem, fadado
por Deus para tornar a Hespanha feliz, cumpre-nos evangelisar a
republica, e mesmo batalhar por ella, para que a nossa patria possa
breve proclamar o codigo politico, em que reside de certo o principio
da regeneração dos povos! Firmes sempre, e sempre honrados,
sacrificaremos embora as vidas e as fortunas; mas jamais venderemos o
coração e a consciencia. (Ouve-se no piano o hymno de Riego.
Escutam-o todos cem respeito).
D. EMILIO
(Continuando, com enthusiasmo) E ao som d'aquelle hymno patriotico,
e animados pelas harmonias d'aquella musica, que tem sido a
companheira fiel de todas as nossas glorias modernas, de todas as
nossas conquistas liberaes, bradaremos sempre:--Viva a Hespanha!
Viva a liberdade! Viva a republica!
TODOS
Viva a Hespanha! Viva a liberdade! Viva a republica!
ISABEL
(Da porta lateral--correndo) Perdão, meus senhores!
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