Bases da ortografia portuguesa | Page 2

Guilherme Abreu
dum modo
de falar, quer êste seja dum só indivíduo, quer duma província ou
dialecto da língua.
6.º Em virtude disto a ortografia não pode representar a pronunciação,
que por certo não será una; ha de representar a enunciação, a qual é
sempre comum ao povo, à nação que fala uma só língua como seu
idioma próprio e exclusivo.
7.º Na ortografia, por consecuéncia, não se pode fazer uso de sinais que
indiquem pronúncia de uma qualquer letra vogal, excepto quando essa
vogal careça de ser pronunciada com modulação especial para a
distinção conveniente do emprêgo sintáctico do vocábulo, ou aínda (e
menos vezes em português) para distinguir na grafia única modos
diferentes de silabização.
8.º Para se representar a enunciação carece-se de acentuar gráficamente
o vocábulo, e a ortografia deve ser tal que, subordinada às leis de
acentuação na língua falada, mostre para qualquer vocábulo a sua sílaba
tónica a quem desconheça o vocábulo que lê.
_Escólio_.--É evidente que a acentuação gráfica é inútil na língua

escrita cuja constituição glotolójica a determina invariávelmente: tal o
latim clássico e as línguas jermánicas.

II
PRINCÍPIOS PARTICULARES DA ORTOGRAFIA DA LÍNGUA
PORTUGUESA
O ensino ortográfico da língua portuguesa reduz-se, portanto, na prática,
ao ensino de:
I. Leis da acentuação nos vocábulos símplices e nos compostos.
II. Valor histórico dos fonemas aínda proferidos e dos que já não se
proferem; influéncia dêstes sôbre a modulação da vogal precedente.
III. Conhecimento dos ditongos e sua dissolução.
IV. Silabização.
V. Homónimos e parónimos.
VI. Função dos sufixos.
VII. Composição dos vocábulos e formação da perífrase nos verbos, e
uso das enclíticas.
Diremos dêstes assuntos em outros tantos paragrafos, definindo,
todavia, primeiro, o que entendemos por ortografia portuguesa.
«ORTOGRAFIA PORTUGUESA» é o sistema de escrita ou grafia
representante comum de todos os dialectos do português falado; a sua
base é a história da linguajem portuguesa considerada como língua e
como dialecto.
Considerada como língua, estuda-se a linguajem portuguesa no ponto
de vista de língua fundamental ou língua mãe, de que, por evolução
própria, se teem derivado outros modos de falar no tempo e no espaço,
depois de assentada a evolução glotolójica realizada em Portugal
durante mais de um século já desde D. Dinis, e principalmente durante
os reinados de D. Pedro I, D. Fernando I e D. João I.
Considerada como dialecto, estuda-se a linguajem portuguesa como
evolução glotolójica neo-latina ou románica.
I--DA ACENTUAÇÃO
1.º A acentuação marcada é tónica e não prosódica; não determina
modulação da letra vogal, determina a sílaba elevada na enunciação do
vocábulo.
Esta sílaba é uma só e a mesma sílaba para cada vocábulo na língua
portuguesa em todo o país, com excepções esporádicas mais ou menos

justificadas. Exemplos: _hótel, hotel; bénção, benção_.
_Escólio._--A acentuação gráfica é sempre a de vocábulo que faz
excepção à regra jeral.
2.º O sinal gráfico da acentuação tónica é por exceléncia o acento
agudo. Marca, porém, êste acento:--vogal tónica aberta em parónimos:
_fôsse, fósse; sêco, séco; reis_ (pl. de _rei_), _réis_ (pl. de _real_);--_i,
u_ tónicos depois de outra vogal: _país_ (cf. _pais_), _reúne, moínho,
ruím_;--a vogal u tónica depois de g em _gúe, gúi_ (cf. 4.º): _argúe,
argúi_.
3.º Pode ser sinal gráfico da acentuação tónica o acento circunflexo, e o
será especialmente nos casos em que no fonema tónico concorra
modulação necessária de _ê, ô_, como fica exemplificado em o número
precedente, e se vê mais dos seguintes exemplos: _fôrça_ (cf. _fórça_),
_modêlo_ (cf. _modélo_), _sossêgo_ (cf. _sosségo_), _côres_ (cf.
_córes_), _côr_ (cf. _cór_ em _de-cór_), _vêem_ (cf. veem, do verbo
_vir_), _dê_ (cf. _de_), _dêsse_ (cf. _désse_), e aínda nos vocábulos
sem parónimos, quando eles sejam esdrúxulos ou oxítonos terminados
numa dessas vogais seguida ou não de s, tais: _pêssego, português,
fôlego, mercê_.
4.º O acento grave é diferencial: indica sempre a pronunciação
alfabética própria da letra vogal alterável, isto é, susceptível de ter mais
de uma pronunciação (_a, e, o_). Emprega-se na ortografia
exclusivamente em tres circunstáncias:--na crase da preposição a com o
artigo feminino _a, a_ + a (ambos átonos) = à;--na sílaba átona cuja
vogal alterável haja de se proferir aberta e átona com a sua pronúncia
alfabética, para que se distinga o vocábulo de outro seu parónimo, ex.:
_crèdor_ (cf. _credor_), _prègar_ (cf. _pregar_);--no u de prolacão
_gùe, gùi_ quando se proferir átono (cf. 2.º): _argùir, agùentar,
lingùística_.
_Escólio._--Escrevemos cue por que (_qùe_), cui por qui (_qùi_); ex.:
_consecuente, consecuéncia_.
5.º Os vocábulos terminados em _a, o, e, as, os, es_, são jeralmente
enunciados com acentuação na penúltima sílaba; logo não teem
acentuação gráfica marcada. Cf. 2.º e corolário de 7.º bis.
5.º bis. Todo vocábulo terminado em a ou _as, o_ ou _os, e_ ou es,
proferido com acentuação noutra sílaba que não seja a penúltima, tem a
acentuação marcada na escrita. São innúmeros os exemplos; em toda

esta
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